Reciprocidade comercial exige cautela: especialistas apontam riscos econômicos e geopolíticos

Tributaristas destacam que a nova lei ainda não foi testada e que respostas precipitadas podem isolar o Brasil no comércio internacional

O recente decreto que regulamenta a Lei nº 15.122/2025 — conhecida como Lei da Reciprocidade — reacendeu o debate sobre a capacidade do Brasil de responder a tarifas unilaterais impostas por países como os Estados Unidos. Mas especialistas alertam: o respaldo jurídico é recente e ainda não testado, e uma reação precipitada pode custar caro ao país.

“Existe previsão legal para contramedidas comerciais, mas afirmar que temos uma base jurídica sólida é, no mínimo, precipitado. O instrumento ainda carece de aplicação prática e não há garantias sobre sua efetividade”, avalia Ranieri Genari, advogado tributarista, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/Ribeirão Preto e consultor da Evoinc. Para ele, aplicar sanções sem esgotar as vias multilaterais seria “um erro crasso”, com potencial de isolar o Brasil e prejudicar sua imagem diante de parceiros estratégicos.

Ranieri Genari – Divulgação

Luís Garcia, sócio do Tax Group e do MLD Advogados Associados, também vê com cautela o uso da retaliação como primeira resposta. “A Lei da Reciprocidade autoriza medidas contra práticas comerciais desleais, mas o uso desse instrumento de forma precipitada pode elevar tensões, afetar a credibilidade do país na OMC e gerar escassez interna de insumos importados”, adverte.

Luís Garcia – Divulgação

Além da tensão com os EUA, os especialistas chamam atenção para o avanço de produtos chineses com preços artificialmente baixos, especialmente nos setores de eletroeletrônicos e veículos elétricos. Segundo Genari, medidas isoladas como elevação de alíquotas e barreiras alfandegárias não têm sido suficientes. “O custo de produção chinês, ancorado em regras trabalhistas frágeis, segue imbatível. Mesmo taxados, os produtos entram no Brasil com vantagem frente à indústria nacional sufocada por carga tributária e burocracia.”

Ambos concordam que, além de mecanismos legais, o país precisa de uma política fiscal mais robusta. “Não basta usar salvaguardas e medidas antidumping. É preciso reduzir tributos, cortar juros e fomentar inovação. Sem isso, continuaremos vulneráveis à concorrência desleal”, afirma Luís Garcia.

Genari reforça que o multilateralismo continua sendo a melhor estratégia: “É hora de negociar acordos que privilegiem insumos estratégicos para nossa indústria, mesmo que isso implique renunciar a tarifas sobre itens de menor valor agregado. O pragmatismo é o que sustenta relações comerciais saudáveis.”