Elias Tavares analisa os impasses em torno da proposta que acaba com a reeleição para cargos do Executivo e unifica eleições; mudanças têm baixa viabilidade política
O Senado Federal discute atualmente duas propostas com potencial de impacto estrutural sobre o sistema político brasileiro: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 12/2022, de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), que propõe o fim da reeleição para cargos do Executivo, e o Novo Código Eleitoral. Ambas são relatadas pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), e suas tramitações vêm enfrentando obstáculos relevantes.
É preciso afirmar com clareza: não há, neste momento, clima político nem disposição majoritária no Congresso para aprovar uma reforma dessa magnitude. A resistência não é apenas ideológica ou técnica, mas sim funcional. Atinge diretamente o coração do sistema de articulação política das legendas partidárias e suas lideranças locais e nacionais.
Entre as principais mudanças sugeridas está a unificação das eleições municipais e gerais, com mandatos de cinco anos para todos os cargos eletivos. Embora tecnicamente coerente — pois reduz custos e descompressiona o calendário político —, essa medida interfere frontalmente na dinâmica estratégica da política brasileira, especialmente no uso das prefeituras como base de construção de capital político.
A eleição municipal no Brasil é mais que uma disputa local. Ela funciona como trampolim para carreiras estaduais e federais, permitindo que prefeitos se projetem como candidatos a deputado, senador ou governador, e que parlamentares consolidem bases colocando aliados no comando dos municípios. Isso está claro em exemplos recentes: José Serra e João Doria, em São Paulo, utilizaram a prefeitura como etapa para disputar o governo estadual. Hoje, João Campos (PSB), prefeito do Recife, aparece como potencial candidato ao governo de Pernambuco.
Eliminar esse degrau estratégico tende a enfraquecer o jogo político regional. É por isso que a proposta, apesar de bem-intencionada, encontra resistência velada entre os parlamentares.
No tocante à extinção da reeleição para cargos do Executivo, a PEC proposta por Kajuru e relatada por Castro prevê o fim da recondução para presidentes, governadores e prefeitos, e ainda propõe mandatos de cinco anos a partir de 2030. O senador Marcelo Castro classificou a reeleição como “um erro histórico” e citou abusos recorrentes do poder econômico e político durante campanhas de reeleição.
Mas aqui também cabe uma ponderação crítica. A reeleição, por si só, não é antidemocrática. Pelo contrário: é o eleitor, por meio do voto, quem decide se deseja continuidade ou ruptura. O caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que tentou e não conseguiu se reeleger em 2022, é evidência concreta de que o sistema permite alternância real. O problema não está no instituto da reeleição, mas sim no seu uso indevido — algo que pode e deve ser combatido com regras de controle e fiscalização mais firmes.
Outros dois pontos da proposta também merecem atenção:
- A redução da exigência de 30% de candidaturas femininas para 20% de cadeiras legislativas efetivas é um retrocesso grave no esforço por maior representatividade de gênero.
- A ampliação dos mandatos de senadores de 8 para 10 anos é desproporcional e desalinha o tempo político com a necessidade democrática de renovação periódica.
Diante disso, é preciso reconhecer: a proposta tende a ser mais relevante como pauta de debate público do que como projeto com viabilidade de aprovação no Congresso. Isso porque, na prática, ela afeta estruturas de poder já sedimentadas e que dificilmente serão reformadas por dentro, sem pressão significativa da sociedade.