Após dois relacionamentos mal-sucedidos, um deles com traição, a empresária Natalia*, 34, conheceu um homem “totalmente diferente dos que já encontrei”, nas palavras dela. Por esse motivo, e mesmo sem sentir muita atração, aceitou casar-se com ele, mas no dia da cerimônia já estava arrependida e hoje diz que nunca mais troca alianças.
Dados do Google Trends levantados revelam que nos últimos 5 anos, entre as buscas na plataforma de pesquisa que começam com “me arrependi de?”, a frase “me arrependi de ter casado” é a segunda mais procurada, perdendo apenas para “me arrependi de ser mãe”.
Profissionais da saúde mental ressaltam que um dos motivos para tanto arrependimento é a tendência de projetarmos uma imagem idealizada em outra pessoa, caso de Natalia.
Após morar com uma pessoa por 4 anos, a empresária envolveu-se com o primeiro marido, com quem ficou casada por apenas três meses: a relação terminou por traição dele.
Logo depois da separação, conheceu o segundo marido na mesma igreja que frequentava, “de boa família e que não gostava de bagunça”. Mesmo sem sentir muita atração por ele, aceitou o casamento na esperança de que sentimentos maiores viriam com o tempo. Mas percebeu que projetou nele um papel de pai, não de marido, e no dia do casamento já sentiu o arrependimento, pois nem mesmo na noite de núpcias houve intimidade.
No dia em que casamos no cartório e com festa, já me arrependi, porque nem sexo rolou. Ele era bem parado, sem pegada e eu que tomava a iniciativa. Então pensei: ‘Isso não vai dar certo’. Como eu já havia tido outros dois relacionamentos, pensei não poder me separar tão rápido para não decepcionar meus pais, que já haviam me rotulado de ‘rodada’ e estavam felizes porque arrumei um homem ‘direito’.
Natalia, empresária.
Natalia tentou a separação após dois anos de enlace, mas conta que os pais ameaçaram tirar a casa que cederam para o casal viver, e continuou no relacionamento mesmo sem vontade. Então vieram os três filhos e mais desgaste. Hoje, está com o divórcio em andamento: “Insisti em algo que não ia acontecer. Não caso nunca mais.”
Sobrecarga e fim do casamento em 6 meses
A corretora de imóveis Bruna Nascimento, 33, estava namorando havia cerca de um ano e meio quando engravidou da primeira filha, hoje com 7. Tinha um sonho da família tradicional e casou-se aos 26. “No fundo, não me sentia preparada”, ela desabafa. O casamento durou seis meses.
“Era muito independente, tinha meu trabalho, e ficar muito tempo em casa, cuidando de filho, me impactou bastante”, detalha.
Fora os cuidados da casa, afirma ainda que não tinha privacidade, já que a família do ex, incluindo os filhos adolescentes dele, estavam sempre na casa da dupla, e também não tinha a compreensão do parceiro quanto ao seu momento de incertezas.
O que me levou ao divórcio foi a falta de comunicação e de empatia. Ele disse que eu não tinha coragem de me separar, então eu o fiz. Aprendi que temos que olhar mais para frente, e não lidar só com as emoções.
Bruna Nascimento, corretora de imóveis.
Idealização e machismo
A psicanalista Claudia Brazil e a psicóloga Renata Santana concordam que a discrepância entre as expectativas idealizadas e a realidade do casamento, somada à falta de maturidade para enfrentar a vida a dois, são fatores cruciais para o arrependimento conjugal.
Além disso, apontam para questões sociais, como o machismo ainda presente nas relações, que frequentemente deixam as mulheres desamparadas após a chegada dos filhos. Enfatizam a importância da terapia para lidar com traumas e frustrações.
“Quando o casamento não é bem sucedido, traz um sentimento de arrependimento e frustração, como se você tivesse falhado, quando na verdade é natural que dê certo ou não. Mas os impactos psicológicos muitas vezes são levados para casamentos futuros, e você começa a ter medo de se relacionar, e isso está acontecendo demais nas clínicas”, observa Cláudia, diretora do Instituto Amas de Psicanálise e Terapias.
“Há uma forte tendência a subjugar a mulher aos padrões sociofamiliares estabelecidos, onde o homem possui privilégios, tais como, maiores salários e maiores chances de contratação, enquanto as mulheres ainda ganham menos e são menos atrativas para contratação ao considerar uma gravidez”, complementa Renata, psicanalista e especialista em saúde mental de jovens e adultos.
Casamento durou 18 dias
A protética Talita Costa, 36, relembra um casamento relâmpago de apenas 18 dias. Ela percebeu sinais de agressividade no parceiro logo após o enlace, culminando numa situação de violência. Seu arrependimento foi o de não ter esperado mais para encontrar seu marido atual.
Talita namorou por um ano antes de se casar, aos 22, e, até então, ela diz que estava tudo certo com o companheiro. Até que um dia os dois tinham acabado de sair da igreja quando o ex quis se dirigir para a casa da mãe, contrariando a vontade de Talita de ficar em casa. Irritado com sua negativa, o homem levantou a mão para bater nela, e a prensou contra a parede.
Ela foi para a casa dos pais e, no dia seguinte, ao encontrar o ex na casa da mãe dele, levou um tapa. Ali, decidiu não mais seguir na relação. Um ano depois, em 2011, casou-se com o atual companheiro.
O arrependimento que tenho foi o de não ter esperado mais um pouco, do contrário teria conhecido o meu marido atual e não teria passado pelo que passei. Ele é um amor. A gente pode esperar o melhor sem ter que se contentar com qualquer coisa.
Talita Costa, protética
Festona e divórcio após 8 meses
A professora Camila B.**, 43, também acha que poderia ter esperado mais um pouco antes de se casar com o primeiro marido, aos 24. O enlace durou 8 meses.
Ela conta que chegou a ouvir dos pais ser muito nova para casar, mas como a família do então noivo era muito religiosa, realizou uma cerimônia para 300 pessoas e recepcionou a todos com uma grande festa, “com tudo do bom e do melhor.”
O dia a dia, no entanto, deu os primeiros sinais de que algo não andava bem, ela relembra: sua rotina passou a ser o trajeto da casa para o trabalho, sem planos ou ambições em conjunto com o parceiro. Também não planejava ter filhos, ao contrário do parceiro.
E as brigas passaram a ser constantes até perceber que já não gostava mais do ex.
Ele já me irritava, e quando vinha me beijar, tinha nojo, mas me sentia culpada por ter acabado com o amor que eu tinha em tão pouco tempo.
Camila B., professora
A conversa sobre o divórcio aconteceu na semana em que o álbum de casamento ficou pronto, chocando a toda família, mas Camila afirma ter sido a melhor decisão:
“Entendi que já não gostava dele antes do casamento, só que todas as etapas do noivado, os preparativos para a festa e toda a empolgação ofuscaram a falta de amor”. Ela casou-se novamente 10 anos depois e hoje tem uma filha de 6 anos.
Depois de separada, Camila viajou, se consolidou profissionalmente, passou para concurso público que queria e após dez anos casou-se novamente. “Fui atrás da minha felicidade e hoje tenho um casamento super saudável e feliz.”