Lipedema: por que tantas mulheres ainda sofrem anos sem diagnóstico?

Especialista alerta para os primeiros sinais da doença e os riscos de tratamentos errados; relatos revelam o impacto físico e emocional do desconhecimento

Pernas sempre inchadas, dores constantes ao toque e uma gordura que não desaparece mesmo após dietas e exercícios. Por trás desses sinais, muitas vezes interpretados como excesso de peso ou celulite, pode estar o lipedema, doença inflamatória crônica reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019, mas que ainda permanece desconhecida até mesmo por profissionais da saúde.

Apesar de atingir até 12% das mulheres brasileiras, segundo a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), o lipedema costuma ser diagnosticado tardiamente. “A maioria das pacientes passa mais de uma década ouvindo que precisa apenas emagrecer. Nesse intervalo, além da dor física, acumulam-se frustrações, baixa autoestima e, muitas vezes, danos funcionais graves”, alerta a fisioterapeuta Dra. Mariana Milazzotto, mestre em Ciências Médicas e especialista em reabilitação funcional do lipedema.

Sintomas silenciosos, sofrimento invisível

A doença é caracterizada por um acúmulo anormal e simétrico de gordura nas pernas e, em alguns casos, nos braços. O tecido adiposo é doloroso ao toque, há hematomas espontâneos, sensação de peso e inchaço ao fim do dia, sintomas que, embora recorrentes, costumam ser tratados com superficialidade.

Foi o que aconteceu com Thaise Guidini, 36 anos. “Sempre tive as pernas desproporcionais ao resto do corpo. Eu sentia dor, inchaço e vivia com hematomas, mas os médicos diziam que era só gordura. Fiz dieta, academia, drenagem, nada resolvia. Só descobri o lipedema por um vídeo no TikTok. Foi ali que minha ficha caiu”, conta. Thaise hoje convive com o diagnóstico de lipedema grau 1 e faz acompanhamento clínico para controle da progressão.

Quando o corpo não responde

O desconhecimento sobre a condição faz com que muitas mulheres recorram a cirurgias ou tratamentos estéticos sem sucesso. “Um dos grandes perigos é submeter o corpo a intervenções estéticas sem o diagnóstico correto. Isso pode agravar a inflamação, causar lesões nos tecidos e comprometer a mobilidade”, afirma a Dra. Mariana.

A jornalista Christiane Coelho viveu essa experiência. “Fiz lipoescultura, massagem modeladora, dieta… nada resolvia. Depois da gravidez de gêmeas, o culote virou uma bola. Cheguei a ouvir que meu joelho era ‘de obesa’. O alívio veio com o diagnóstico. Foi como entender que eu não estava louca ou relaxada com meu corpo”, relata.

A especialista explica que esse é um padrão comum entre mulheres com lipedema: “Elas relatam dor ao deitar em colchonetes, hematomas sem motivo, sensação de estar ‘apanhando por dentro’. São sinais que precisam ser ouvidos com atenção clínica.”

Diagnóstico ainda distante da realidade

Segundo a Dra. Mariana, o diagnóstico do lipedema é clínico, baseado na observação de sintomas e na exclusão de outras condições, como obesidade, celulite ou linfedema. “Não há um exame laboratorial que confirme o lipedema. O que existe é um protocolo de avaliação baseado em critérios bem estabelecidos: padrão anatômico do acúmulo de gordura, dor, hematomas e histórico familiar”, explica.

A barreira, no entanto, está na formação profissional. A doença não faz parte da grade curricular da maioria dos cursos de graduação. “Hoje, infelizmente, é o TikTok que tem alertado mais mulheres do que os consultórios. Isso mostra o tamanho da lacuna entre a vivência da paciente e o preparo do sistema de saúde”, afirma a fisioterapeuta.

Tratamento não é estético, é funcional

O tratamento envolve fisioterapia especializada, uso de meias de compressão, alimentação anti-inflamatória, atividade física de baixo impacto e, em casos avançados, lipoaspiração com equipe multidisciplinar. 

“Não se trata de estética. O foco é devolver à mulher sua mobilidade, aliviar a dor e permitir que ela tenha qualidade de vida. O antes e depois não é de aparência, é de funcionalidade”, reforça a especialista.

Christiane confirma: “Depois que passei a me cuidar com o olhar certo, com fisioterapia e acompanhamento, as dores diminuíram, minha autoestima voltou. Não é sobre ser magra. É sobre poder andar, subir escada, se vestir sem dor.”

Caminho pela informação

O número de diagnósticos tende a crescer à medida que mais mulheres reconhecem os sinais e compartilham suas histórias. “Ainda estamos no começo, mas esse movimento é urgente. O lipedema é uma doença real, com impactos reais, que precisa sair da invisibilidade e ser tratado com a seriedade que merece”, finaliza a Dra. Mariana.

Sobre a Dra. Mariana Milazzotto

Fisioterapeuta com quase 20 anos de atuação, mestre em Ciências Médicas e especialista no tratamento clínico do lipedema. Criadora da Jornada Desvendando o Lipedema, programa que forma fisioterapeutas e terapeutas corporais no atendimento a mulheres com diagnóstico confirmado ou suspeita da doença. É referência no Brasil por sua abordagem humanizada e baseada em evidências científicas.