Josef Mengele: 40 anos da morte do “Anjo da Morte” que viveu 17 anos escondido em São Paulo

Fugitivo nazista mais procurado do mundo morreu em 1979 no litoral paulista; esqueleto é usado em aulas de medicina na USP

Em 7 de fevereiro de 1979, um corpo foi encontrado na Praia da Enseada, em Bertioga (SP). Identificado inicialmente como Wolfgang Gerhard, o homem havia morrido afogado. Só seis anos depois, o Brasil e o mundo descobririam que o morto era, na verdade, Josef Mengele, o médico nazista conhecido como “Anjo da Morte de Auschwitz”, responsável por atrocidades e experimentos cruéis durante o Holocausto.

Ao longo de 17 anos, Mengele viveu em várias cidades do interior paulista, usando nomes falsos e se escondendo da justiça internacional. Seu nome constava na lista de criminosos de guerra mais procurados do século XX. Ele foi acusado de ter selecionado pessoalmente milhares de prisioneiros para as câmaras de gás, além de realizar experimentos brutais com gêmeos, anões e deficientes físicos.

De Auschwitz à Praia da Enseada

Nascido em 1911, na Alemanha, Josef Mengele era médico e oficial da SS, a tropa de elite nazista. Em Auschwitz, ganhou o apelido de “Anjo da Morte” por decidir, com um gesto de mão, quem viveria para o trabalho forçado e quem morreria nas câmaras de gás. Também liderava experimentos pseudocientíficos, que incluíam injeções de substâncias químicas em prisioneiras e testes de resistência humana com água fervente.

Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, Mengele fugiu da Europa, usando uma rede de apoio de simpatizantes do nazismo. Viveu na Argentina, Paraguai e, por fim, no Brasil, onde se estabeleceu em 1961 com o nome Peter Hochbichler.

Durante sua estadia no país, passou por cidades como Nova Europa, Serra Negra, Caieiras, Diadema e Embu das Artes. Em seu esconderijo, evitava sair de casa, lia poesia alemã, ouvia música clássica e se cercava de cães para proteção. Chegou a construir uma torre de observação em uma fazenda para monitorar quem se aproximava.

Identidade revelada após investigação internacional

A morte de Mengele, por afogamento, foi testemunhada apenas por um casal de austríacos que o acolhia no Brasil, Wolfram e Liselotte Bossert. Eles forneceram documentos falsos para o registro do óbito.

A verdade veio à tona apenas em 1985, após a polícia alemã interceptar cartas enviadas pelos Bossert a Hans Sedlmeier, ligado à família Mengele. O caso mobilizou a Polícia Federal brasileira, liderada pelo então superintendente Romeu Tuma.

O corpo enterrado sob o nome de Wolfgang Gerhard foi exumado e submetido a análises forenses pelo Instituto Médico Legal de São Paulo. Em 1992, um exame de DNA realizado na Inglaterra confirmou: a ossada era mesmo de Josef Mengele.

Ossada virou material didático na USP

Como o filho, Rolf Mengele, nunca requisitou o corpo do pai, o esqueleto do criminoso nazista passou a ser usado em aulas de medicina forense da USP a partir de 2016. Apesar disso, o caso ainda gera polêmicas.

O historiador e sobrevivente do Holocausto, Ben Abraham, sustentava que o corpo exumado não era de Mengele, mas sim de um sósia. Essa teoria da conspiração, no entanto, foi refutada por exames científicos.

“O fato é que Mengele morreu e foi enterrado em São Paulo. O resto é teoria da conspiração”, afirma o jornalista e historiador Marcos Guterman, autor de Nazistas Entre Nós.

Recompensa e legado de terror

Na época, a cabeça de Mengele valia uma recompensa de US$ 3,4 milhões, o equivalente a cerca de R$ 12 milhões atuais. Ele nunca foi julgado, nunca expressou remorso, e morreu tranquilamente em uma praia paulista, aos 67 anos.

Em relato ao programa The Phil Donahue Show, o filho Rolf declarou: “Ele não admitiu culpa. Disse apenas que cumpria ordens.”

Quarenta anos depois de sua morte, o nome de Josef Mengele continua sendo símbolo de crueldade, impunidade e da capacidade humana de esconder horrores por trás de rostos comuns.