Obra coletiva celebra os 80 anos do ex-ministro do STF e juiz da Corte de Haia, destacando sua influência no Direito Internacional e sua trajetória singular entre a Justiça, a diplomacia e o pensamento jurídico
Em tempos em que o ruído muitas vezes sobrepõe a razão, a biografia de Francisco Rezek soa como uma sinfonia rara de erudição, sobriedade e serviço público. Aos 80 anos, o professor, jurista, diplomata e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal é celebrado com a obra “Temas do Direito Internacional Contemporâneo – Uma homenagem a Francisco Rezek”, uma coletânea de artigos que não apenas analisa o Direito, mas reverencia a figura de um homem que o encarna com precisão e espírito humanista.
A publicação reúne textos de ministros, professores, jornalistas, diplomatas e estudiosos do Brasil e do exterior — um liber amicorum que, mais do que homenagear, busca compreender a dimensão de Rezek. Seu legado atravessa fronteiras disciplinares e geográficas, com contribuições que vão do Direito Internacional Público à responsabilidade civil, passando por direitos humanos, constitucionalismo e os desafios jurídicos do nosso tempo.
De Cristina para o mundo
Filho de imigrantes libaneses, Rezek nasceu em Cristina, no sul de Minas Gerais. Ainda jovem, seguiu rumo ao Direito na UFMG, formando-se em 1966. Mas sua bússola intelectual apontava além das serras mineiras: doutorou-se em Direito Internacional em Paris, em 1970, e construiu uma carreira acadêmica que o levaria a Oxford, à Universidade de Brasília, ao Instituto Rio Branco e à prestigiada Academia de Direito Internacional da Haia.
Na vida pública, percorreu os corredores mais nobres do Estado brasileiro com a mesma leveza com que transita entre línguas e culturas. Foi subprocurador-geral da República, ministro do STF — duas vezes, algo inédito na história da Corte — e ministro das Relações Exteriores. Na diplomacia, soube como poucos conjugar a precisão jurídica à escuta estratégica, qualidade essencial para quem se senta à mesa das nações.
Em 1997, foi eleito juiz da Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas, cargo que ocupou por quase uma década, representando o Brasil em Haia com a autoridade serena de quem compreende o Direito como linguagem universal da civilização.
Uma obra viva
O livro, organizado por renomados especialistas, reflete o espírito multifacetado do homenageado. Cada capítulo é um espelho de sua influência: dos tratados internacionais à evolução constitucional brasileira; da integração regional às implicações jurídicas das novas tecnologias. Há também espaço para a sensibilidade — comensais da vida acadêmica e institucional compartilham memórias, causos e reflexões que desenham um retrato íntimo de Rezek: o professor atento, o amigo generoso, o jurista sempre disponível.
“O que me sensibilizou em particular neste liber amicorum foi a variedade das gerações nele reunidas”, comentou Rezek em nota. “Entre autores que me precedem em mais de dez anos e aqueles que nem eram nascidos quando me retirei, pela segunda vez, do Supremo.”
O livro, como seu personagem central, não busca o aplauso fácil. É obra densa, feita de pensamento e reconhecimento. Um marco editorial que fala tanto sobre o Direito quanto sobre a possibilidade de uma vida pública construída com decoro, inteligência e vocação para o diálogo.
Rezek, como poucos, soube fazer do silêncio uma forma de discurso, e da moderação, um gesto de resistência.