Filha se torna advogada e defende a mãe acusada de homicídio após 12 anos de espera

Rosália Maria foi acusada de matar o namorado em 2012; julgamento aconteceu apenas em 2024, com defesa feita pela própria filha, Camila Pita

Após 12 anos de espera por um julgamento, uma história comovente de injustiça, amor e superação emocionou o país: Camila Pita, filha da acusada Rosália Maria Negrão Pita, tornou-se advogada e assumiu a defesa da própria mãeem um caso de homicídio que chocou Valença, no interior da Bahia. O episódio, que levanta debates sobre a morosidade do sistema judicial brasileiro, teve desfecho em setembro de 2024 — e ganhou contornos extraordinários ao revelar uma jovem determinada a provar a inocência da mãe.


Uma filha contra o tempo e o sistema

Ter minha filha ali comigo foi motivo de muito orgulho. É de se admirar a mulher que se tornou, depois de vivenciar, ainda criança, e por 12 anos, uma história de injustiça e muito difícil de ser vivida“, disse Rosália em entrevista exclusiva à Agência Pública — a primeira vez em que fala à imprensa desde a acusação.

Rosália foi denunciada em 2012, suspeita de ter assassinado o então namorado José Antônio Silva Braga, em 13 de março daquele ano. Camila, com apenas 14 anos na época, viu sua vida virar de cabeça para baixo quando policiais bateram à porta durante a madrugada, perguntando onde estava sua mãe.

“Achei que ela tinha morrido. Não sabia o que estava acontecendo”, lembra Camila. “Fui entendendo aos poucos. Aquilo marcou a minha vida para sempre.”


Do trauma à vocação: o nascimento de uma defensora

Desde o início do processo, Camila acompanhou cada etapa. A demora do julgamento, que se arrastou por mais de uma década, permitiu que ela terminasse o ensino médio, ingressasse na faculdade de Direito e se formasse advogada — tudo com um único objetivo: assumir a defesa de sua mãe e provar sua inocência.

Eu sabia os detalhes daquele inquérito de cor. Cada palavra, cada frase. Nos dias que antecederam o julgamento, meu foco e determinação eram tão grandes, além da sensação de responsabilidade de garantir a liberdade da minha mãe, que eu mal conseguia comer ou dormir”, relata.

No dia 24 de setembro de 2024, Camila finalmente defendeu Rosália no tribunal do júri, num julgamento aguardado por anos. A repercussão do caso não se deve apenas à acusação de homicídio, mas também à história humana por trás dos autos: a persistência de uma filha que se recusou a aceitar o silêncio da Justiça como resposta definitiva.


Falhas no processo e fragilidade das provas

Segundo a defesa, o caso evidencia problemas estruturais do sistema penal brasileiro. A investigação, marcada por lacunas e provas frágeis, sustenta o argumento da inocência de Rosália. A atuação de Camila foi decisiva ao reunir documentos, confrontar laudos e reconstruir a narrativa do ocorrido.

A Justiça demorou, mas chegou. E chegou pelas mãos da filha da acusada. Isso não é apenas simbólico — é uma denúncia silenciosa sobre como o sistema falha e como mulheres negras, periféricas, precisam lutar duas vezes mais por um julgamento justo”, afirmou um advogado que acompanhou o caso nos bastidores.


Uma história de justiça, dor e resistência

O caso de Rosália e Camila transcende o drama pessoal e se torna um marco para quem acredita na força da educação, da família e do enfrentamento das desigualdades do sistema. Ao transformar o trauma em propósito, Camila não apenas defendeu a mãe, mas ressignificou o que significa justiça no Brasil de hoje.

Ela não é só minha mãe. É a mulher que me ensinou a resistir. E eu resisti por ela.