Brasil pode sofrer retaliações comerciais em investigação sobre Pix? Especialistas comentam

Investigação do governo norte-americano tem meio de pagamento do país como principal alvo

O governo dos Estados Unidos abriu uma investigação formal contra o Brasil alegando práticas comerciais desleais no setor de pagamentos digitais, tendo o Pix como principal alvo.

Segundo o USTR, o sistema brasileiro, por ser público e gratuito, criaria barreiras para empresas americanas como Visa e Mastercard. Caso confirmadas as alegações, Washington pode impor tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros a partir de agosto. O governo brasileiro deve acionar instrumentos de defesa na OMC e negociar para evitar prejuízos às fintechs e ao comércio bilateral.

Mas afinal, a investigação aberta nos EUA contra o Pix, sob a alegação de distorção de mercado e criação de barreiras para empresas estrangeiras, pode pressionar o Brasil a rever a regulação de meios de pagamento ou até forçar mudanças no modelo público e gratuito mantido pelo Banco Central?

Na visão de Pietro Dalla Costa Cervelin, advogado do Barcellos Tucunduva Advogados (BTLAW) da área de Meios de Pagamento e Fintechs, ainda é cedo para projetar qualquer impacto na regulação brasileira. “Não é possível antever qualquer movimentação nesse sentido, mas em qualquer caso é improvável, uma vez que a investigação determinada hoje se insere em um contexto geopolítico maior de uma tentativa do governo americano em sentar-se à mesa com o governo brasileiro para negociar questões sensíveis a eles como a regulação de mídias sociais e as tarifas aplicadas a produtos americanos. É um instrumento de soft power para forçar uma negociação, não uma inquisição séria ao modelo adotado pelo BCB com o Pix”, explica o advogado.

Cervelin salienta que, desde o governo americano na era Biden, também se preocupa com recentes movimentos, especialmente por parte dos BRICS, em deixar de utilizar o dólar como principal moeda nas transações transfronteiriças. “Em fevereiro, o presidente do BCB, em um evento no México, admitiu publicamente a possibilidade de que o Pix possa ser aprimorado em um sistema de pagamentos transfronteiriços integrado com meios de pagamento de outros países, o que poderia contribuir com esse fim da hegemonia do dólar. Essa investigação também pode ser uma sinalização quanto a isso”, acrescenta.

Já para Fernando Canutto, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Internacional Empresarial, a investigação da USTR (“United States Trade Representative”) foi motivada por supostas práticas comerciais discriminatórias, incluindo “digital trade and electronic payment services”, sendo assim, o Pix, promovido institucionalmente pelo Banco Central, poderia ser enquadrado como desleal por alguns aspectos.

Alexander Coelho é especialista em Direito
Digital e Proteção de Dados
Divulgação/M2 Comunicação

“O Pix pode ser investigado por oferecer pagamentos digitais gratuitos ou com tarifas muito reduzidas, colocando fintechs e bancos estrangeiros em desvantagem competitiva, afetando diretamente empresas americanas de pagamentos digitais, ou ainda ser considerado uma intervenção estatal deliberada para excluir concorrentes externos ou impor requisitos que restrinjam entrada de players americanos, favorecendo o mercado interno”, explica o especialista, ressaltando que esse cenário se encaixa no critério da Seção 301: “práticas injustificáveis, discriminatórias ou onerosas que restringem o comércio”.

O Brasil pode argumentar que o Pix é um serviço financeiro regulamentado internamente, coberto pela cláusula de exceção geral (Art. XIV do GATS), que permite regulamentação nacional para segurança, estabilidade e integridade do sistema financeiro e até poderá invocar cláusulas em acordos de cooperação digital – via Mercosul ou outros acordos bilaterais. Entre elas, estão a do “Tratamento não discriminatório” e a da “Regulação proporcional”, permitindo a liberdade regulatória sem implicar intenção protecionista.

Caso aconteça de haver riscos jurídicos e comerciais para empresas do ecossistema Pix, Canutto entende que poderá haver duas sanções. “Deverão ser definidas tarifas sobre serviços digitais ou restrições a transações transfronteiriças e até a restrição ao uso de infraestruturas internacionais (como SWIFT) ou inter-operabilidade com fintechs americanas”, conclui.

Fontes:

Fernando Canutto – sócio do Godke Advogados. Especialista em Propriedade Intelectual, Planejamento Estratégico Empresarial, Direito Societário, Governança Corporativa, Compliance e Investimento Estrangeiro.

Pietro Dalla Costa Cervelin – advogado do Barcellos Tucunduva Advogados (BTLAW) na área de Meios de Pagamento e Fintechs. Bacharel em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.