Mesmo com resistência do governo Lula, aliados de Trump planejam classificar facções brasileiras como terroristas — o que pode redesenhar a guerra internacional contra o narcotráfico.
Brasília, 15 de maio de 2025 – Há decisões que não pedem licença. Apenas entram, empurram a porta e sentam-se à mesa. A mais recente delas vem de Washington, onde aliados de Donald Trump articulam a classificação de duas das maiores facções criminosas do Brasil – o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) – como organizações terroristas. O gesto, envolto na retórica da segurança global, é também um aviso: a geopolítica do narcotráfico não respeita fronteiras — e tampouco diplomacia.
Mesmo com o Planalto acenando em tom contrário, o ex-presidente norte-americano — hoje em nova cruzada política rumo à Casa Branca — parece disposto a agir unilateralmente. Seus enviados já vieram a Brasília. Conversaram, ouviram, expuseram a proposta como quem oferece um pacto. Mas diante da negativa brasileira, o plano segue adiante, com ou sem bênção diplomática.
“Não precisamos do aval de governos estrangeiros para proteger nosso povo”, disse, sob reserva, um dos conselheiros próximos a Trump. E prosseguiu com a lógica dura dos falcões: “Para muitos, o terror das facções já é cotidiano – pouco importa o nome técnico que se lhes dá.”
Economia do crime sob ataque
A proposta americana vai além da semântica. Carrega em seu bojo uma estratégia clara: estrangular financeiramente os tentáculos do tráfico. Se rotulados como terroristas, os grupos passariam a sofrer sanções severas. Empresas, transportadoras, bancos — qualquer instituição que mantenha vínculos com esses grupos seria imediatamente colocada sob vigilância e risco de sanção internacional.
Não se trata apenas de repressão. É uma tentativa de reconfigurar o jogo. Ao sufocar o fluxo de capital, Washington quer minar o poder das facções onde mais dói: no caixa.
Além disso, essa classificação abriria caminho para penas mais rígidas aos membros dos grupos detidos em solo americano, com a possibilidade de deportação para El Salvador — destino sombrio no brutal Centro de Confinamento de Terroristas (Cecot), onde a lógica carcerária é outra, menos jurídica, mais simbólica.
Brasil recusa — e explica
Do outro lado da fronteira, o Brasil reage com cautela jurídica e política. O Ministério da Justiça foi claro: o enquadramento de facções como terroristas contraria a lógica da legislação brasileira, que reserva essa tipificação para crimes com motivação ideológica, política ou religiosa — não para ações de lucro por meio do tráfico.
Há, por trás da recusa brasileira, um princípio de soberania jurídica. Mas também uma preocupação latente: aceitar tal classificação seria abrir um precedente perigoso, que pode tensionar ainda mais o já complexo sistema prisional e judicial do país. Seria, também, importar uma guerra alheia — e com ela, suas consequências.
O terror como ferramenta política
Mas talvez o mais eloquente neste episódio não esteja nas ações, mas nas intenções. Classificar facções estrangeiras como terroristas pode ser, para Trump, mais do que um ato de política criminal. Pode ser um discurso eleitoral disfarçado de medida de segurança. Uma maneira de reforçar sua imagem de dureza diante da criminalidade — ainda que os alvos estejam a milhares de quilômetros de distância.
Na prática, o gesto aumenta a pressão internacional sobre o Brasil. Reforça a imagem de que o narcotráfico sul-americano não é só um problema local, mas uma peça no tabuleiro maior da segurança hemisférica.
O que está em jogo, no fim, é mais do que a semântica jurídica entre crime e terrorismo. É a disputa por narrativas. E, nelas, nem sempre a verdade importa mais que a conveniência.