A polêmica camisa vermelha expôs a guerra simbólica que tomou o futebol brasileiro — e pode ser só o primeiro capítulo de uma estratégia maior para reconstruir a imagem da Seleção.
No Brasil, até a cor da camisa da Seleção virou terreno minado. A recente controvérsia em torno de um suposto novo uniforme vermelho incendiou a arquibancada digital, derrubou comentaristas da neutralidade e reacendeu uma das disputas mais sensíveis da política nacional: a guerra pelo símbolo da brasilidade.
O estopim foi o vazamento de imagens de um modelo alternativo da Nike, em tom vermelho vivo, com detalhes em verde — supostamente desenhado para a Copa de 2026. A CBF correu para negar. Disse que as imagens “não eram oficiais” e que a nova coleção ainda será definida. Mas o estrago (ou o efeito desejado) já estava feito.
O que há por trás da polêmica?
No centro de tudo, está o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, reconduzido ao cargo após uma reviravolta jurídica que envolveu o Supremo Tribunal Federal, o partido PCdoB e o ministro Gilmar Mendes. A volta de Ednaldo foi celebrada como uma vitória do campo progressista dentro de uma das instituições mais fechadas do país.
Mas a vitória jurídica teve um custo simbólico. A especulação em Brasília é que o “sinal vermelho” da camisa seria uma forma de agradecer discretamente o apoio recebido — um gesto de cortesia política que se transformou em incêndio ideológico. A reação foi imediata. Parlamentares ligados à direita conservadora classificaram o uniforme como “camisa comunista”. Houve nota de repúdio, indignação nas redes e até ameaça de convocação na Câmara.
Se foi uma tentativa de aceno político, saiu caro. Mas e se não foi isso?
A hipótese da “provocação calculada”
Nos bastidores do marketing esportivo, circula outra hipótese: a do balão de ensaio. Ao deixar vazar uma suposta camisa vermelha, Ednaldo teria exposto algo mais profundo — a disputa simbólica que transformou a camisa amarela em farda política.
Desde 2018, a tradicional “amarelinha” foi sequestrada pelo bolsonarismo. Tornou-se uniforme de protesto, adereço ideológico, bandeira de um grupo específico — e perdeu seu significado universal. Para muitos brasileiros, vestir a Seleção passou a ser visto como um ato político.
Ao trazer o vermelho para o jogo, a CBF pode ter sinalizado um novo impasse: se o amarelo não une mais e o vermelho não será aceito, talvez seja hora de uma terceira cor.
O plano C: uma camisa neutra para reconstruir o símbolo
A ideia que ganha força nos bastidores é clara: reposicionar a Seleção como símbolo nacional e não partidário. Isso exige um gesto contundente — e a cor do uniforme é o gesto mais visível possível.
Entre executivos da Nike e conselheiros da CBF, fala-se em lançar uma nova linha de uniformes com tons mais neutros, como branco, grafite ou azul escuro. Uma cor que não remeta à polarização e que reconecte o torcedor à Seleção sem constrangimento político. Seria o passo mais ambicioso desde o início do governo Ednaldo — e talvez o mais necessário.
“Quando a camisa da Seleção vira motivo de vergonha, o futebol perde seu maior ativo simbólico”, resume um especialista em branding esportivo. “Ou a CBF ressignifica esse símbolo, ou continuará perdendo o torcedor que não quer ser confundido com uma posição política só por vestir uma cor.”
Futebol como campo de batalha simbólico
A polêmica expõe algo maior: o futebol brasileiro se tornou mais um reflexo da divisão nacional. Não é apenas sobre a camisa, mas sobre a quem ela pertence. É sobre a disputa pela narrativa, pelo imaginário coletivo, pelo que significa “ser Brasil”.
A crise da camisa vermelha talvez não seja apenas uma gafe de comunicação. Talvez tenha sido um movimento tático. E se for bem conduzido, pode abrir espaço para um novo momento: uma Seleção que não tem lado — tem camisa. E que volta a ser de todos.