‘O Aprendiz’: a construção de um império e a origem controversa de Trump

Chegando aos cinemas, o filme revela suas polêmicas legais e sua transformação em uma figura pública obcecada por poder

O longa “O Aprendiz”, dirigido por Ali Abbasi, mergulha nos primeiros anos da trajetória de Donald Trump (Sebastian Stan) e na influência do advogado Roy Cohn (Jeremy Strong) na formação do empresário que dominaria a política americana décadas depois. A história começa na Nova York dos anos 70, quando Trump tenta construir sua identidade como magnata imobiliário. O filme não apenas acompanha seu envolvimento em polêmicas legais e acordos financeiros arriscados, mas também revela os bastidores de sua transformação em uma figura pública obcecada por poder e sucesso. A narrativa contextualiza o surgimento de sua fama e a gênese de sua filosofia: nunca pedir desculpas, nunca recuar.

Na trama, Donald Trump é apresentado como um jovem empresário em busca de legitimação no disputado mercado imobiliário de Nova York. Com o apoio e a orientação implacável de Roy Cohn, ele aprende a jogar nos bastidores da política e dos negócios. Cohn, que já havia sido conselheiro de Joseph McCarthy e figura controversa do macarthismo, enxerga em Trump um pupilo capaz de aplicar suas táticas agressivas de manipulação e pressão. Ao longo do filme, vemos Trump lidar com processos por discriminação racial, o início de sua obsessão por celebridade e os primeiros sinais do narcisismo que marcaria sua vida.

Enquanto Trump conquista espaços em jornais e consegue seu primeiro grande golpe de sucesso — a renovação do Hotel Commodore —, ele se envolve em disputas familiares, especialmente com seu irmão Fred Jr., que se distancia do império dos Trump. A relação conturbada com seu pai, Fred Trump Sr., também é explorada, revelando as pressões que moldaram sua personalidade. Cohn, por sua vez, torna-se não apenas conselheiro, mas uma figura quase paternal para Trump, ensinando-o a jamais admitir erros e sempre manter a aparência de invencibilidade, mesmo em meio a derrotas. Essa convivência cria uma dinâmica intensa e perturbadora, onde lealdade e oportunismo se misturam.

Com roteiro de Gabriel Sherman, “O Aprendiz” vai além de um retrato biográfico, explorando a transformação de Trump em um ícone da era moderna. As atuações de Sebastian Stan e Jeremy Strong são marcantes, com nuances que capturam tanto a vulnerabilidade quanto a crueldade de seus personagens. Stan traz um jovem Trump que oscila entre a insegurança e a arrogância, enquanto Strong faz de Cohn uma figura quase diabólica, cujo charme é tão sedutor quanto perigoso. As cenas intensas entre os dois são os pontos altos da produção, expondo o relacionamento de codependência entre o ambicioso aprendiz e seu mentor calculista.

A direção de Ali Abbasi se destaca pela estética crua, com uma fotografia que enfatiza tanto o brilho superficial dos luxos quanto a podridão moral por trás das negociações. Câmeras na mão e enquadramentos fechados criam uma sensação claustrofóbica, destacando como a vida pública e privada de Trump se confundem. A trilha sonora, recheada de jazz e músicas icônicas dos anos 70, ajuda a construir a atmosfera da Nova York que começava a consolidar sua fama de metrópole implacável. Já a montagem, fluida e ágil, não dá respiro, transmitindo a intensidade com que Trump encara cada desafio, como se a derrota fosse uma possibilidade inadmissível.

Além da reconstrução histórica precisa, com figurinos e cenários que remetem fielmente à época, o filme oferece uma análise profunda dos custos da ambição desenfreada. Ele não apenas retrata a ascensão de Trump, mas também revela o preço emocional que essa busca impõe a ele e aos que o cercam. A evolução do protagonista para uma figura incapaz de empatia, treinado para destruir quem atravessa seu caminho, é tratada sem filtros. Episódios polêmicos, como a traição a aliados e o abandono de Cohn quando ele adoece com AIDS, mostram o lado mais sombrio dessa relação.

A recepção de “O Aprendiz” foi polarizada. Enquanto parte da crítica aplaudiu a profundidade e a coragem do roteiro, muitos apontaram que o longa é uma crítica direta e provocativa ao legado de Trump. Nos Estados Unidos, a estreia foi marcada por polêmicas e ameaças de processo por parte de aliados do ex-presidente, mas fora do país, especialmente no Brasil, a obra encontrou um público ávido por entender as origens do fenômeno Trump. A produção, embora arriscada, reforça que não se trata apenas de um estudo sobre um empresário, mas de um alerta sobre o impacto de lideranças moldadas pelo culto à imagem e à manipulação.