Daniela*, 35, chama o filho mais velho até a entrada da casa e pede que ele levante a camisa para mostrar a cicatriz de cerca de 20 centímetros no meio do peito. A mãe, imigrante boliviana, comove-se ao falar da cirurgia no coração que salvou o jovem de 17 anos, a quem médicos deram meses de vida quando era criança.
“Morro de medo que ele pegue covid-19. Sempre digo para não esquecer de usar a máscara”, diz ela, em espanhol. Tanto Daniela quanto os três filhos não tomaram nenhuma dose da vacina contra covid-19. Em situação irregular no Brasil desde que chegaram, há um ano, não tinham CPF nem comprovante de residência, documentos que foram exigidos pelo agente de saúde no local de vacinação próximo a onde vivem, no extremo leste da periferia da cidade de São Paulo, em setembro de 2021.
Existe um razoável contingente de imigrantes sem documentação no Brasil — e que, por isso, não foram vacinados ou tomaram apenas uma dose do imunizante, afirmam especialistas em migração. Muitos não comparecem aos postos de saúde por medo de serem deportados.
“Nenhum documento deveria ser exigido, mas soubemos da exigência de CPF e comprovante de residência durante a maior parte de 2021. Pela lei, o direito à saúde é universal e o atendimento não pode ser negado pela falta de documentos, muito menos vacina em tempos de pandemia”, afirma o antropólogo Alexandre Branco Pereira, coordenador da Frente Nacional pela Saúde de Migrantes e do Observatório Saúde e Migração.