Meus mortos: o fracasso como obra-prima

Na graphic novel de não ficção Meus mortos, Diogo Mainardi caminha entre ruínas venezianas e quadros de Tiziano, expondo com ironia e desespero a própria decadência — e a de um tempo que já não acredita em transcendência

“Com as nádegas de fora, Mainardi ostenta sua derrota.”

Essa é a imagem final — literal, simbólica, brutal — de um livro que não pede redenção. Meus mortos, recém-lançado, é menos um livro e mais um acerto de contas. Com a vida. Com a arte. Com o século.

Diogo Mainardi, jornalista, escritor e cético profissional, perambula por Veneza acompanhado apenas de seu cachorro e do olhar do filho, Nico, que o fotografa em cenas que misturam a podridão e o esplendor. Ele visita igrejas, contempla pinturas e conversa com os mortos. Seus mortos. Os nossos.


“A linguagem do grande pintor esmaga a do pequeno escritor.”

Essa constatação atravessa o livro como um estilete. Ao encarar a obra de Tiziano — o mestre renascentista que retratou como ninguém o sexo, o poder e a ruína humana —, Mainardi reconhece sua própria pequenez. A arte vence. A palavra rasteja. E é justamente aí que o livro ganha potência: ao transformar essa rendição em gesto literário.


“Fracassei como artista, como homem, como tudo. Mas continuo andando.”

É esse andar, esse movimento patético e sublime, que faz do livro um documento geracional. Numa era de gurus motivacionais, Mainardi entrega um manifesto do desencanto.


Um testamento em forma de graphic novel

A escolha do formato — uma graphic novel de não ficção — não é casual. É como se as imagens de Veneza, captadas por Nico, fossem as únicas capazes de conter o peso da reflexão. Palavras já não bastam. São as fachadas decadentes, os reflexos nos canais, os ossos dos santos que contam o que a linguagem não consegue mais sustentar.


A fúria estética de um niilista irônico

Mainardi não quer consolar. Nem provocar. Ele quer expor — e se expor. Com ironia, claro. Com cultura, sempre. Com desespero, sim, mas um desespero trabalhado como arte.

“É uma confissão. Mas também é uma vingança. Contra mim mesmo.”


Um livro que dá o que pensar — e o que postar

Em tempos de frases prontas, Meus mortos oferece fragmentos que viralizam sem perder a densidade.

“Não acredito mais em transcendência. Mas sigo diante dos quadros como quem reza por reflexo.”

“A arte não salva. Mas, às vezes, adia o colapso.”


Por que você deve ler 

Meus mortos?

Porque é cru, erudito, melancólico e moderno. Porque é literatura que encara a morte sem glamour, e encara a arte sem a esperança de consolo.

Porque é, talvez, o livro mais honesto e cruel do autor.

E porque, num tempo de filtros e frases feitas, a derrota nua e cínica pode ser o único gesto realmente corajoso.