Utilizada por jovens da Geração Z, a icônica bandeira pirata do mangá japonês virou instrumento de contestação política em países como Indonésia, Peru e Madagascar
Num cenário cada vez mais conectado, visual e simbólico, a Geração Z tem reconfigurado as formas de protesto ao redor do mundo. E um dos símbolos mais curiosos dessa nova onda de ativismo juvenil vem diretamente da cultura pop japonesa: a bandeira pirata do anime e mangá “One Piece”, conhecida como Jolly Roger.
Desde julho de 2025, o estandarte com a caveira de chapéu de palha sobre dois ossos cruzados tem surgido com frequência crescente em protestos de rua em pelo menos três países — Indonésia, Peru e Madagascar — como uma espécie de grito visual de insatisfação política, resistência e desejo de liberdade.
“A Jolly Roger não representa vandalismo ou violência, mas sim o espírito de desobediência criativa de uma geração que não quer se calar diante de governos centralizadores ou corruptos”, dizem manifestantes nas redes.

Indonésia: a origem da nova onda
A onda começou em Jacarta, capital da Indonésia, quando o presidente Prabowo Subianto pediu que a população hasteasse a bandeira vermelha e branca em celebração ao Dia da Independência (17 de agosto). Como resposta, milhares de jovens passaram a pendurar a bandeira de “One Piece” em casas, muros, carros e perfis nas redes.
A escolha não foi por acaso. Em One Piece, os piratas liderados por Monkey D. Luffy erguem a Jolly Roger como símbolo de liberdade absoluta, em oposição a governos opressores e instituições autoritárias.
“Amamos a Indonésia, mas não o caminho que ela está tomando”, declararam manifestantes à imprensa local.
A resposta do governo foi ambígua. O ministro Prasetyo Hadi afirmou que o presidente “não tem objeções” quanto ao uso criativo da bandeira, desde que não seja colocada ao lado da nacional, “de forma a gerar comparações ou conflitos”. Já a polícia de Jacarta declarou estar “monitorando o uso de símbolos não nacionais que possam comprometer o espírito do nacionalismo”.

Peru: protesto contra reformas e corrupção
Em setembro, foi a vez do Peru adotar a bandeira pirata nos atos. Jovens tomaram as ruas em protesto contra uma nova lei que obriga todos os maiores de 18 anos a se filiarem a uma instituição previdenciária. Mas o estopim revelou algo maior: críticas ao governo central, denúncias de corrupção, crise econômica e aumento da violência.
O uso da Jolly Roger foi simbólico: um gesto de descrença nas instituições, reforçando o sentimento de que o Estado não representa mais a população jovem — uma juventude que cresceu online, com narrativas sobre justiça e resistência vindo, inclusive, de animes e jogos.
Madagascar: apagões e pressão popular
Ainda em setembro, o símbolo surgiu também em Madagascar, país que vive uma grave crise energética e de abastecimento de água. Com manifestações lideradas pela Geração Z, a situação se agravou a ponto de o presidente Andry Rajoelina dissolver o governo.
Nem isso foi suficiente. Os jovens pedem a renúncia do presidente, além da dissolução da comissão eleitoral, do Senado e da Suprema Corte.
Em meio às bandeiras nacionais e cartazes tradicionais, a caveira com o chapéu de palha balança no vento como um lembrete visual de que os símbolos mudaram — e os protestos também.
Por que a Jolly Roger?
Originalmente usada por piratas reais no século XVII, a Jolly Roger sempre foi um símbolo de rebeldia. Mas no universo de One Piece, ela representa algo mais: a busca por um mundo sem amarras, onde cada tripulação decide seu próprio destino.
Para a Geração Z, isso dialoga profundamente com a sensação de frustração frente a promessas quebradas por sistemas políticos tradicionais.
Protesto com estética pop: o novo ativismo
O uso da bandeira de “One Piece” é só mais um capítulo do ativismo visual e simbólico que cresce entre os jovens conectados. Da máscara de Guy Fawkes dos protestos do Anonymous ao uso de músicas, memes e personagens de cultura pop em cartazes, a Geração Z protesta com cor, ironia e referências digitais.
E não à toa. Em uma era de vídeos curtos e impacto viral, símbolos simples e icônicos — como a caveira de Luffy — valem mais do que mil palavras de ordem.