Tribunal de Turim questiona a legitimidade da nova lei de cidadania na Corte Constitucional

Juiz acatou a arguição de inconstitucionalidade em um processo e o encaminhou para a Corte Constitucional. Jurista David Manzini, CEO da Nostrali Cidadania Italiana, diz que, além de graves vícios de inconstitucionalidade, a nova lei viola artigos da Declaração Universal e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos

A nova lei da Cidadania Italiana, promulgada em 23/05, já começa a ser questionada em 1ª instância na Itália. Há cerca de um mês de sua vigência, na última quarta-feira, 24/06, o juiz Fabrizio Alessandria, do Tribunal de Turim, acatou os argumentos dos advogados de um ítalo-descendente, considerando legítima a arguição de inconstitucionalidade, quanto à retroatividade da restrição geracional, para o reconhecimento da cidadania. Assim, suspendeu o processo e o submeteu para a apreciação da Corte Constitucional, instância máxima da ordem jurídica italiana.

“O Juiz entendeu que havia fundamentos suficientes, para a contestação da constitucionalidade da nova lei”, explica o jurista italiano David Manzini, CEO e fundador da Nostrali Cidadania Italiana, uma das maiores assessorias especializadas do Brasil. “É extraordinária a rapidez com que isso aconteceu. Acreditamos que juízes de outros tribunais passarão a seguir o mesmo procedimento”, acredita Manzini. “Em escala, os juízes passarão a postergar as audiências, aguardando a manifestação da Corte Constitucional”, opina o jurista. Manzini define o decreto que originou a nova lei como “um ato politicamente cínico, juridicamente frágil e constitucionalmente questionável”.

Direito é imprescritível e transmissível sem limites de geração

Um dos maiores especialistas em cidadania italiana em atividade no país (tendo assessorado mais de 30 mil pessoas em processos de reconhecimento de cidadania), David Manzini aponta que a nova lei revoga direitos fundamentais, infringindo artigos da Constituição da Itália, reforçando assim a tese de inconstitucionalidade. “A cidadania italiana não é uma concessão gentil do Estado. É um direito originário, fundamental, imprescritível e transmissível sem limites de geração, salvo prova em contrário”, enfatiza Manzini.

Para o especialista, o novo texto também contraria até mesmo artigos de tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e fere a lei Geral da Itália, preliminar ao Código Civil Italiano. 

Pacificação da via materna gera otimismo entre especialistas

David Manzini, CEO e fundador da Nostrali Cidadania Italiana.

Nesse novo contexto, o jurista explica que a via judicial, passa a ser a única alternativa para a maioria de ítalo-descendentes, na busca pelo legítimo reconhecimento de sua cidadania. “Anteriormente, o crescente número de processos judiciais era motivado pela demora no prazo das filas consulares. Agora, o objeto é a inconstitucionalidade da lei”, afirma.

Manzini demonstra otimismo no restabelecimento da ordem jurídica. Assim como seus pares, faz um paralelo com a polêmica da via materna. “A via judicial já foi utilizada com êxito, para o reconhecimento da cidadania italiana por via materna”, lembra. “O Legislativo insistia em manter restrições inconstitucionais, baseado numa lei anterior à Constituição de 1948, que determinava que, somente homens poderiam transmitir a cidadania aos filhos. A Corte Constitucional declarou a inconstitucionalidade dos artigos discriminatórios da lei”, explica. Posteriormente, a Corte de Cassação introduziu um novo conceito sobre os efeitos retroativos da declaratória de inconstitucionalidade de leis anteriores à constituição. Em 2009, a jurisprudência foi consolidada, pacificando a questão.

O CEO da Nostrali adianta que os processos ajuizados pela assessoria terão petições muito bem fundamentadas, baseadas nos princípios da Constituição e da Corte Europeia, enriquecidas por pareceres de grandes constitucionalistas italianos. “Acreditamos que a ordem jurídica será restabelecida, com o respeito aos direitos fundamentais dos descendentes e declaração de inconstitucionalidade das disposições da nova lei, pela Corte Constitucional”, conclui o jurista.

Próximos passos

A Corte Constitucional vai analisar se a nova lei da cidadania italiana está em conformidade com os princípios constitucionais. Assim como o Tribunal de Turim, outros tribunais de primeira instância tendem a postergar as novas audiências, enquanto aguardam o posicionamento da Corte. A medida, além de fortalecer a urgência para o debate da matéria, também evita que os pedidos sejam indeferidos.

Não existe prazo determinado para uma audiência sobre o tema. Como a expectativa é de que outros juízes levantem a questão da inconstitucionalidade, é possível que o assunto tome uma dimensão relevante, provocando a urgência. A própria Corte tem um histórico de agilidade ao abordar o tema. Recentemente (em 24/06), realizou uma audiência para discutir a inconstitucionalidade da lei 91/1992. A questão foi levantada em Novembro, pelo Tribunal de Bolonha. Ou seja, em cerca de seis meses, já houve o debate.

O que pode acontecer?

A decisão da Corte Constitucional pode ter impactos significativos, como:

– Adequação Legislativa: Caso a Corte Constitucional reconheça a inconstitucionalidade da norma, poderá instar o Parlamento e o Governo a promoverem a revisão ou revogação da legislação vigente, para adequá-la aos preceitos constitucionais, especialmente no que tange à irretroatividade da lei e ao princípio da continuidade do ‘status civitatis’.

– Efeito vinculante e criação de precedente: A decisão da Corte terá efeito vinculante ‘erga omnes’, consolidando um precedente que deverá ser observado pelos tribunais ordinários e administrativos em casos futuros. Isso poderá impactar diretamente os ítalo-descendentes que tiveram seus pedidos protocolados ou planejados após a entrada em vigor da nova norma.

– Repercussão internacional: Considerando a dimensão da diáspora italiana, sobretudo em países como Brasil e Argentina, uma eventual declaração de inconstitucionalidade poderá restaurar ou assegurar o acesso à cidadania iure sanguinis a milhões de descendentes. Por outro lado, poderá gerar a necessidade de reanálise de processos eventualmente indeferidos com base na nova lei, exigindo coordenação administrativa e diplomática entre o Estado italiano e os países com grande número de requerentes.

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