“Bom aluno, apesar de preto”: caso repercute na comunidade acadêmica e levanta debate sobre racismo estrutural nas universidades públicas brasileiras
Um caso de racismo dentro da Universidade de Brasília (UnB) voltou a expor as tensões raciais que ainda atravessam os corredores das instituições públicas de ensino superior. Um estudante do curso de Medicina registrou denúncia na Ouvidoria da UnB e também junto à Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), após declarações ofensivas feitas por uma professora durante uma atividade clínica no ambulatório da universidade, em 22 de maio.
Segundo o relato da vítima, a docente teria feito comentários explícitos sobre sua cor de pele e o atendimento que ele prestava a um paciente, colocando em dúvida sua capacidade profissional com base em um critério racial.
“Não consigo imaginar como a mãe do paciente se sente sendo atendida por um estudante preto”, teria dito a professora, segundo o boletim de ocorrência.
O estudante relata ainda que a docente apontou para outro colega e afirmou que ele era “preto igual”, acrescentando: “Achei que não fosse bom, por ser preto, mas ele se mostrou um bom aluno, apesar de preto.”
Universidade e autoridades tomam conhecimento
A denúncia foi formalizada junto à Ouvidoria da UnB, que agora deve encaminhar o caso à corregedoria interna e à Comissão de Ética da instituição. Já no âmbito criminal, o caso foi registrado como possível crime de injúria racial e deverá ser apurado pela Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial (DECRIN) da PCDF.
Até o momento, a universidade ainda não se pronunciou oficialmente sobre medidas administrativas imediatas, mas fontes internas confirmam que a queixa está sendo tratada com seriedade e prioridade. A docente denunciada, cujo nome não foi divulgado, poderá ser ouvida nos próximos dias como parte do processo de apuração.
Racismo institucional e meritocracia seletiva
O caso reacende um debate constante sobre o racismo estrutural no ensino superior, especialmente em áreas historicamente elitizadas como a medicina. Embora a UnB tenha sido pioneira na implementação de políticas de cotas raciais, muitos alunos negros ainda enfrentam hostilidade velada, comentários pejorativos e desconfiança constante de suas capacidades acadêmicas.
“Esse tipo de fala reforça um estigma de que a excelência acadêmica e a negritude são inconciliáveis. É desumanizador e compromete não só a autoestima do estudante, mas o ambiente de aprendizado como um todo”, afirma um professor da própria Faculdade de Medicina, que preferiu não se identificar.
Implicações legais e sociais
Casos como este estão sendo tratados com mais rigor por órgãos públicos e instituições educacionais. A depender da apuração, a professora pode ser responsabilizada por injúria racial, crime previsto no Código Penal Brasileiro, com pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa, além de sanções administrativas internas.
Do ponto de vista institucional, o episódio desafia a UnB — historicamente engajada em pautas de diversidade — a reforçar políticas de formação antirracista, acolhimento e responsabilização disciplinar para que o ambiente universitário seja, de fato, um espaço inclusivo, seguro e respeitoso para todos os estudantes.