Um levantamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) revelou uma transformação significativa no ensino médico brasileiro. Entre 2014 e 2023, o número de vagas em cursos de Medicina mais que dobrou, ao passo que a concorrência caiu quase 60%.
De acordo com o estudo Demografia Médica, a relação candidato/vaga caiu de 46,5 para 18,8 no período. A queda se deve ao aumento expressivo na oferta de vagas — sobretudo em instituições privadas — enquanto o número absoluto de candidatos recuou levemente (cerca de 9,5%).
Apesar da queda, Medicina ainda lidera como o curso mais concorrido do país, superando opções como Direito, Engenharia e outras áreas da saúde. A diferença entre o setor público e privado é gritante: as faculdades públicas ainda concentram a maior concorrência, enquanto as particulares registram uma média até 10 vezes menor.
📍 Perfil do estudante e crescimento regional
Segundo dados do Censo da Educação Superior, o perfil dos estudantes de Medicina no Brasil é majoritariamente composto por mulheres, brancas, com menos de 24 anos e vindas do ensino médio privado. Pela primeira vez na história, em 2023, a maioria dos médicos em exercício no país também passou a ser feminina.
Geograficamente, São Paulo e Minas Gerais concentram um terço das vagas, com destaque para o avanço do Nordeste na abertura de novos cursos. Em 2004, mais da metade das vagas estavam nas capitais. Hoje, esse índice caiu para 34,8%.
🏥 Qualidade e desigualdade: os desafios persistem
Mais de 90% das novas vagas criadas na última década foram abertas por instituições privadas. A FMUSP alerta, porém, para um desequilíbrio na qualidade da formação. Escolas públicas seguem com desempenho superior em avaliações como o Enade, e contam com mais professores doutores e estrutura hospitalar.
O professor Mário Scheffer, responsável pelo estudo, aponta que é necessário ampliar a formação pública e qualificar melhor o ensino privado. “As privadas têm mais alunos por professor, menos dedicação exclusiva e piores desempenhos em avaliações nacionais”, destacou.
👨⚕️ Mais médicos formados, mas má distribuição persiste
Hoje, o Brasil já supera países como EUA e Coreia do Sul na taxa de médicos formados por ano. A taxa brasileira é de 16,06 por 100 mil habitantes — próxima de nações como Áustria e Portugal. No entanto, a densidade total ainda é baixa: 2,98 médicos por 1.000 habitantes, abaixo da média da OCDE (3,70).
Além disso, há forte concentração de médicos no Sudeste (3,77/1.000) e déficit alarmante em regiões como o Norte (1,70/1.000). O programa federal Mais Médicos tenta equilibrar essa desigualdade, incentivando a abertura de cursos em áreas desassistidas. Contudo, especialistas questionam a infraestrutura de algumas dessas cidades para formar profissionais com a qualidade necessária.
📈 Projeção: Brasil terá mais de 1 milhão de médicos até 2035
Caso o ritmo atual de formação se mantenha, o Brasil poderá ultrapassar a marca de 1,15 milhão de médicos em atividade até 2035 — mais que o dobro dos atuais 572 mil profissionais registrados. O cenário reforça a urgência de discutir não apenas a quantidade de vagas, mas sobretudo a qualidade da formação médica no país.