Uma auditoria conduzida pelo Tribunal de Contas da União (TCU) apontou indícios de que o governo federal está adotando práticas consideradas “heterodoxas” na gestão das contas públicas — o que, segundo o órgão, pode comprometer a sustentabilidade fiscal e gerar impactos negativos sobre a economia brasileira, como inflação, alta dos juros, desvalorização do real e fuga de investimentos.
O documento, de caráter preliminar, será apresentado nesta quarta-feira (23) em audiência pública no TCU, com expectativa de participação de integrantes da equipe econômica do governo. A auditoria foi aprovada em dezembro de 2024 pelo presidente da Corte, ministro Vital do Rêgo Filho, e tem como relator o ministro Bruno Dantas.
Quatro “achados” com potencial impacto fiscal
De acordo com a fiscalização, pelo menos quatro práticas chamaram a atenção dos técnicos:
- Não recolhimento de receitas à conta única da União
- Uso de fundos privados ou entidades para execução de políticas públicas
- Utilização de fundos públicos para concessão de crédito
- Falta de transparência na gestão de fundos públicos e privados
Esses mecanismos estariam sendo utilizados para viabilizar políticas públicas fora do Orçamento Geral da União, o que, segundo o TCU, pode comprometer os princípios da universalidade, legalidade e transparência, além de contornar regras fiscais em vigor.
“A proliferação de mecanismos extraorçamentários pode resultar na perda de credibilidade das contas públicas, desequilíbrio fiscal persistente e elevação da taxa de juros como reação à imprevisibilidade fiscal”, alerta o documento.
Contexto orçamentário crítico
A análise do TCU ocorre em meio à discussão da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026, enviada pelo governo ao Congresso na semana passada. O texto revelou um cenário de estrangulamento das despesas discricionárias— aquelas que o governo pode cortar — devido ao crescimento acelerado dos gastos obrigatórios.
Segundo os auditores, essa limitação pode estar impulsionando a criação de “arranjos institucionais e financeiros paralelos” para a realização de políticas públicas — fora do alcance direto do Orçamento.
Legalidade, mas com riscos
Apesar das preocupações levantadas, fontes do TCU ouvidas pela reportagem ressaltam que, diferentemente das “pedaladas fiscais” que levaram ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, as medidas atuais contam com respaldo legal e aprovação do Congresso Nacional.
Ainda assim, os técnicos reforçam que tais práticas podem comprometer a imagem do Brasil no mercado internacional e gerar efeitos práticos na economia real:
“As práticas mencionadas podem ensejar perda de credibilidade nas contas públicas e riscos à sustentabilidade da dívida pública, o que tem condão de provocar desvalorização da moeda nacional, aumento da inflação, fuga de investidores e outros efeitos práticos na vida do cidadão”, diz o relatório.
Governo ainda não se manifestou
Procurado, o Ministério da Fazenda encaminhou o pedido de resposta ao Ministério do Planejamento e Orçamento, que, até o momento, não se pronunciou oficialmente sobre o conteúdo da auditoria.
O TCU ressalta que o relatório está em fase de instrução e que os pontos destacados ainda podem ser revisados, caso os órgãos citados apresentem esclarecimentos ou documentos adicionais que alterem a análise técnica.