OAB apura suposto gesto nazista de advogado contra árbitro em torneio de futebol no DF

Segundo denúncia, Françoar Dutra fez saudação ‘heil, Hitler’; testemunhas afirmam que árbitro deixou campo chorando e muito abalado. ‘Me expressei de maneira exagerada no calor do jogo’, diz advogado.

A Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF) apura a denúncia de que um advogado fez um gesto nazista para um árbitro auxiliar austríaco, durante um campeonato de futebol da entidade, no Setor de Clubes Sul, em Brasília, no último sábado (22).

Segundo a súmula assinada pelo juiz da partida, o gesto foi seguido da saudação “heil, Hitler” (“salve Hitler, em tradução livre”), após o profissional, que atuava como reserva, pedir para o advogado Françoar Dutra se acalmar (veja detalhes abaixo). Testemunhas disseram que, após o episódio, o árbitro austríaco deixou o campo chorando e muito abalado.

Em nota, Dutra disse que pediu desculpas ao árbitro e negou qualquer atitude racista ou xenofóbica. “O que ocorreu foi que me expressei de maneira exagerada no calor do jogo”, disse o advogado (veja íntegra ao final da reportagem).

O árbitro, que prefere não ter o nome divulgado, disse que “no Brasil as pessoas não compreendem o que o gesto [braço direito levantado] e as palavras ‘Heil Hitler’ realmente significam, e o que fica por trás disso” (leia nota completa mais abaixo).

“Tem uma máquina de morte inteira atrás desses gestos e para alguém, quem vêm dessas terras, como eu, por exemplo, a coisa é pior ainda”, disse o árbitro.

Em nota, a OAB-DF disse que “não coaduna com quaisquer atitudes discriminatórias” e que vai abrir um processo para “apurar os fatos”. Já o Sindicato de Árbitros de Futebol do DF (SAF-DF) afirmou que repudia o ato e que busca a responsabilização civil e criminal do agressor.

Discussão durante o jogo

Fachada do edifício da OAB-DF — Foto: Divulgação/OAB-DF
Fachada do edifício da OAB-DF — Foto: Divulgação/OAB-DF

A partida fazia parte de um campeonato organizado pelas subseções da OAB-DF. No sábado, os times formados por advogados de Taguatinga e de Brazlândia se enfrentavam.

Na súmula feita no fim da partida, o juiz disse que, “após uma falta favorável ao time de Brazlândia, o atleta nº 4, que estava no banco de reservas, citou as seguintes palavras: ‘Cadê o cartão amarelo?’, de forma ofensiva e gesticulando com os braços”.

Ainda segundo o documento, o árbitro reserva se dirigiu ao advogado e pediu para que ele se acalmasse. Ao perceber que o homem não era brasileiro, mas austríaco, “o atleta se afastou e fez o gesto de Hitler, levantando o braço direito, dizendo as seguintes [palavras]: ‘Heil, Hitler'”, aponta a súmula.

O advogado Kiko Omena estava no local e foi uma das testemunhas da agressão contra o árbitro austríaco. “O jogo estava um pouco acirrado, mas nada além de uma partida de futebol normal, quando quem a gente achava que era o técnico do time de Brazlândia começou a xingar o auxiliar do árbitro. De repente, ele [o árbitro] começou a chorar e ficar desesperado”, contou.

Kiko diz que foi até o auxiliar para entender o que estava acontecendo. “Mas ele não conseguia falar. Então, pedi para o árbitro parar o jogo e ir entender o que estava acontecendo.” O advogado afirma que, depois dos esclarecimentos, o outro jogador foi expulso do campo.

Apologia ao nazismo é crime

A apologia ao nazismo, usando símbolos, distribuindo emblemas ou fazendo propaganda desse regime é crime no Brasil, com pena de reclusão. Segundo a lei 7.716/1989, também é considerado crime:

  • Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa – ou reclusão de dois a cinco anos e multa se o crime foi cometido em publicações ou meios de comunicação social.
  • Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

O que diz o árbitro austríaco ofendido com gesto nazista por advogado

“O sr. Dutra disse que eu me comportei ‘ditatorial’. Isso eu rejeito completamente, porque eu tentei acalmar ele, quem reclamou e gritou demais com meus colegas no campo nessa cena. Um comportamento assim demanda do árbitro reserva atuar e tentar acalmar a situação e manter ordem fora do campo também. Isso é dentro das regras e eu aplico as regras. Regra 5 da FIFA define o arbitro assim: O jogo é disputado sob controle de um arbitro, que tem total autoridade para cumprir as regras do jogo. Regra 6 fala o quarto arbitro deve informar o arbitro sobre condutas incorretas dos integrantes nas áreas técnicas. Normalmente tentamos isso sem acionar o arbitro, e muitas vezes funciona, mas não sempre. E regra 12 define como um das infrações contra as regras: mostrar falta de respeito ao jogo. Gritar, gesticular, tentar pressionar o arbitro etc. é um dessas infrações.
O problema permanece: no Brasil as pessoas não não compreendem que o gesto (braço direito levantado) e as palavras “Heil Hitler” realmente significam e que fica atrás disso. Tem uma máquina de morte inteira atrás desses gestos e para alguém, quem vem dessas terras, como eu, por exemplo, a coisa é pior ainda. Pode ser esse senhor não sabia da minha origem, mas isso não justifica que ele fez. Respeito ao próximo, até em momentos de calor no jogo, não pode ser esquecido. “To be a good sport” em inglês significa: ser um cara legal, alguém que pode viver com derrotas também, alguém que respeita o outro. Nós árbitros demandamos respeito também. Os jogadores sempre demandam respeito de arbitragem para eles, mas só poucos realmente mostram o mesmo respeito para a arbitragem, pelos menos aqui no Brasil. Eu apitei em total para 30 anos agora (completei esse 30 anos em setembro de 2022), 23 deles na federação do meu país. Uma coisa que posso dizer é: o respeito para a arbitragem é maior lá. Sim, pode ter criticas duras, sofri agressões lá também, mas algo assim, nunca. Um gesto assim, junto com as palavras….. não. Isso é inaceitável. Por isso eu fiquei chorando no lado do campo, por a falta de respeito total. Falta de respeito para as vitimas de nazismo, falta de respeito pelo estrangeiro (com certeza ele percebeu pelo meu sotaque eu não sou brasileiro), por falta de respeito para as regras de esporte. Tudo isso junto foi simplesmente demais para mim. Eu nunca experimentei um desrespeito tão profundo.
Nós árbitros queremos respeito, não somos ladrões, somos profissionais como todos que trabalham no futebol em uma forma ou na outra.”

O que diz o advogado Françoar Dutra que, segundo testemunhas, fez gesto nazista para árbitro austríaco em torneio de futebol da OAB-DF

“Caros amigos.
Sobre o fato noticiado, ocorrido no dia 22 de outubro, esclareço:
Após reclamar – em partida de futebol acalorada – que um jogador do meu time estava sendo agredido de forma injusta, me senti repreendido de forma excessiva pelo árbitro da súmula, momento em que lhe disse que estava se portando de forma “ditatorial”.
Falei na forma coloquial e em sentido figurado, evidentemente.
Deixo claro que não conheço o referido árbitro, muito menos sabia de sua origem. Sou filho de nordestina e goiano e sou contra qualquer tipo de atitude racista ou xenófoba. O que ocorreu foi que me expressei de maneira exagerada no calor do jogo.
Esclareço ainda que ao fim do jogo me retratei com o árbitro por qualquer inconveniente, momento em que o mesmo aceitou minhas desculpas e ali ficou o acontecido.
Renovo aqui meu pedido de desculpas ao árbitro e me solidarizo com sua história de vida.
Mantendo minha postura de transparência, coloco-me à disposição de todos para esclarecer qualquer dúvida!
Françoar Dutra”