Por que as vitrines da Rolex estão vazias no Brasil?

Mercado de luxo: descasamento de oferta e demanda ocorreu porque fabricante reduziu produção enquanto demanda dos ricos brasileiros disparou

por Bloomberg Línea

Ter um Rolex sempre foi um sonho distante para a maioria das pessoas no mundo. Contudo, uma demanda repentina pelos relógios, especialmente por modelos masculinos, aliada a uma oferta mais restrita em decorrência da pandemia tem gerado um fenômeno nada usual pouco usual no mercado: os espaços dedicados à marca nas vitrines de joalherias e boutiques têm ficado vazios a maior parte do tempo.

A empresa não comenta o assunto, mas alguns fatores explicam o fato inusitado. Afinal, ter R$ 46 mil para comprar um modelo de entrada da marca não significa necessariamente que você sairá da loja com um.

Segundo o CEO de uma importante joalheria do Brasil, que falou sob a condição de anonimato, há algum tempo a marca suíça já vem reduzindo sua produção para tornar seus produtos ainda mais exclusivos, restrito àqueles que realmente “merecem” usá-los.

A pandemia foi um catalisador desse processo. As restrições de circulação na Europa levaram a empresa a produzir menos, já que os relógios, montados a mão, e as peças essenciais são fabricadas pela própria Rolex, na Suíça. Segundo relatos, a fábrica que produzia até mil unidades por mês passou a entregar apenas 300.

Aumento da demanda

Curiosamente, a pandemia levou aqueles com condição de ter um Rolex a buscarem ainda mais os relógios da marca. Sem poder gastar com viagens, restaurantes, festas e outras situações rotineiras da vida dos mais ricos, 18 meses após o início da pandemia o resultado foi uma “sobra” de dinheiro, que acabou sendo direcionado para alguns itens de consumo, entre eles, os famosos relógios.

“Não era algo esperado, mas houve sim um descasamento entre a oferta e a demanda. De um lado, a Rolex já não quer aumentar sua produção. De outro, o consumidor percebeu o Rolex como um investimento”, afirma a empresária Manu Berger, especialista e consultora do mercado de luxo.

Vida real

A reportagem da Bloomberg Línea visitou algumas distribuidoras oficiais da marca em São Paulo e conversou com alguns vendedores. Em todos os casos a situação foi muito parecida. As vitrines estão vazias, os poucos modelos expostos são femininos e quando os estoques são reabastecidos, não duram mais do que dois dias nas lojas. Já os modelos mais exclusivos, quando chegam, são separados e destinados aos clientes que já estão na fila de espera.

Estão fazendo de tudo para que apenas clientes fiéis tenham os relógios. Se você chegar para mim e dizer que tem 10 Rolex e quer um Daytona, vou dizer o que é possível conseguir, mas vamos ter que colocar seu nome na lista, criar um relacionamento para chegar até lá”, disse um dos vendedores.

Até um ano atrás, a restrição ao acesso ocorria para os modelos mais tradicionais como o Daytona. Segundo um dos vendedores, hoje essa “seleção” dos clientes já se aplica a praticamente todos os relógios da marca, principalmente por conta do mercado paralelo que se formou ao redor dos relógios de luxo.

Mercado paralelo

O mercado paralelo é um dos fatores que mais tem gerado incômodo à Rolex pelo mundo. Em vários sites que comercializam relógios de luxo é possível encontrar modelos com um sobrepreço superior a 80% sobre o valor de um distribuidor oficial. O modelo Datejuste 126200, por exemplo, que aparece por R$ 46 mil no site da Frattina é oferecido por R$ 83,35 mil na CronoExpert, uma plataforma espanhola com operação no Brasil, com entrega grátis de três a nove dias.

O Watch Price Trend, site que monitora o preço de relógios de luxo em todo o mundo, indica a valorização da maioria dos Rolex disponíveis para venda.

Em um caso ocorrido em São Paulo, um comprador tradicional da marca, adquiriu uma unidade, ficou alguns dias, mas acabou não se adaptando ao modelo. Resolveu colocar o relógio à venda e postou em um grupo de WhatsApp o anúncio, junto com uma foto da garantia onde constava o nome do vendedor. No grupo, um dos diretores da Rolex do Brasil estava presente. O resultado foi uma advertência ao vendedor, que não soube “selecionar” o cliente e o comprador que foi parar em uma lista de clientes indesejados da marca, por ter sido considerado pouco fiel.

Reflexos na manutenção

Mesmo para quem já tem um Rolex, fazer a manutenção não tem sido um processo simples durante a pandemia. Um dos vendedores informou que tem sido orientado a não incentivar os clientes a deixarem os relógios para manutenção.

Hoje, o processo padrão tem sido receber o relógio para manutenção, que fica na loja por 120 dias até que a empresa autorizada na manutenção da marca faça a retirada. Com o relógio em mãos, o orçamento para o conserto sai em mais 30 dias que, se aprovado, leva ainda mais tempo para ser arrumado. Na prática, o relógio fica parado por quase seis meses apenas para se saber quanto vai custar para tê-lo funcionando novamente.