Mulheres e homens têm apresentado preferências muito diferentes para a eleição presidencial deste ano. Além disso, percentual de mulheres indecisas é quase o dobro que o de homens. Para especialistas, a decisão pode estar nas mãos delas
As mulheres são maioria entre eleitores de todas as faixas etárias, têm preferências eleitorais marcadamente diferentes das dos homens na disputa para presidente e compõem a maior proporção dos eleitores ainda indecisos. Esses três fatores fazem com que elas sejam encaradas como grupo decisivo na disputa de 2022.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, conforme a vantagem entre os dois principais candidatos à Presidência, Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, se reduz nas pesquisas de intenção de voto, as eleitoras que ainda não definiram o voto se tornarão o principal alvo das campanhas.
“Esses três elementos — as mulheres serem maioria no eleitorado, terem intenção de voto diferente dos homens e serem maioria entre os indecisos — torna o eleitorado feminino muito importante nessas eleições”, disse à BBC News Brasil a cientista política Malu Gatto, professora da University College London, no Reino Unido, e especialista em participação feminina na política.
Entenda como cada um desses três fatores pode influenciar o resultado da eleição para presidente da República.
Diferença numérica entre eleitores homens e mulheres
Já faz um tempo que há mais eleitores mulheres que homens. Mas, neste ano, elas são, pela primeira vez, maioria em todos os grupos etários, inclusive entre quem tem 16 anos. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, mulheres são 56% dos eleitores de 16 anos e homens são 42%, o que pode revelar um engajamento maior das jovens em voluntariamente participar dessas eleições, já que o voto só é obrigatório para maiores de 18 anos.
Há 20 anos, a população total de eleitoras era 2 pontos percentuais maior que a de eleitores homens. Agora, essa diferença é de 6 pontos percentuais — elas são 53% dos eleitores e eles, 47%.
Mulheres também são a grande maioria num segmento considerado chave nas eleições de 2022: o de eleitores evangélicos. Elas são quase 60% dos evangélicos no Brasil.
Em 2018, esse segmento votou em peso em Jair Bolsonaro — quase 70% dos evangélicos apoiaram o atual presidente no segundo turno contra o candidato do PT, Fernando Haddad. Neste ano, pesquisas de intenção de voto mostram que homens dessa religião continuam com Bolsonaro, enquanto mulheres estão praticamente divididas entre ele e Lula.
Pesquisa Genial/Quaest de maio aponta que 33% das evangélicas atualmente votam em Bolsonaro, enquanto 31% preferem Lula. De olho nesses votos, os dois candidatos têm tentado firmar alianças com pastores e dialogar com fiéis.
“O primeiro fator que faz com que as mulheres sejam relevantes nessa eleição é o númerico. A tendência que a gente está vendo nos dados é de uma diminuição da diferença, em pontos percentuais, na vantagem entre Lula e Bolsonaro ao longo da campanha. Quanto mais essa vantagem diminuir, mais essa diferença numérica fará diferença, assim como o fato de as mulheres serem maioria entre os eleitores indecisos, que podem fazer a diferença ao se incorporarem a um ou outro candidato”, destaca Gatto.
“Então, as mulheres podem, sim, decidir essas eleições.”
Divisão de preferência por gênero começou em 2018
O segundo fator relevante quando se fala no papel das mulheres na eleição de 2022 é o fato de elas apresentarem preferência muito diferente da dos homens na escolha do candidato à Presidência.
De acordo com a cientista política Nara Pavão, professora da Universidade Federal de Pernambuco, de 1989 a 2014, não havia uma diferença acentuada na preferência eleitoral de homens e mulheres nas eleições para presidente. Os principais candidatos neste período receberam proporções semelhantes de votos de homens e mulheres.
Mas a partir de 2018, quando Jair Bolsonaro se candidatou à Presidência pela primeira vez, começou a haver uma divisão clara entre intenções de voto de mulheres e homens.
Em relação à disputa presidencial de 2022, as pesquisas têm indicado uma diferença de 11 a 18 pontos percentuais entre homens e mulheres. Por exemplo, pesquisa Genial/Qaest divulgada em maio mostra que 24% das eleitoras pretendem votar no atual presidente, contra 39% dos homens. Já o percentual das mulheres que pretendem votar em Lula é de 50%, enquanto o percentual de apoio entre homens é de 42%.
Além disso, entre as mulheres, 50% têm avaliação negativa do governo Bolsonaro, enquanto essa percepção é compartilhada por 41% dos homens.
“Pela primeira vez, a questão do gênero se destaca na preferência por candidato. Isso surge com a candidatura de Jair Bolsonaro. E, entre mulheres, a rejeição a ele é muito maior que entre homens”, destaca Nara Pavão.
Mas por que a gestão de Bolsonaro incomoda um percentual maior de mulheres que de homens?
Para a professora de ciência política Malu Gatto, da University College London, há três explicações para isso: o modelo de masculinidade que Bolsonaro representa e que inclui posições criticadas como machistas; a gestão da pandemia; e o estado atual da economia.
“Essa questão da masculinidade pode estar em indo em ambas as direções, ou seja, diminuindo o apoio das mulheres, mas também aumentando o apoio dos homens. Ele tem uma postura que enfatiza soluções tradicionalmente associadas ao masculino, como uma forma de governar mais agressiva, que inclui o culto à violência e às armas”, diz.
“Isso gera identificação com parcela dos homens, mas rejeição entre mulheres. Além disso, muitas vezes o presidente classifica mulheres a partir de critérios estéticos, o que novamente o aproxima de um público masculino, mas pode afastar parte das mulheres.”
Nara Pavão, professora da Universidade Federal de Pernambuco, também destaca que algumas posições do governo Bolsonaro que geram identificação entre homens, como a política armamentista, incomodam parcela importante das mulheres.
“As mulheres se preocupam muito com o combate à criminalidade, mas não a qualquer custo. Muitas são mães solo e têm filhos que estão na criminalidade ou filhos que podem ser alvo da violência policial nas favelas.”
Preocupação com a saúde
Outro tema central para as eleitoras é a saúde e esse pode ser, segundo as especialistas, um dos fatores que acentuam a diferença de gênero na preferência eleitoral.
“Saúde é um tema caro às mulheres, porque boa parte das tarefas de cuidado — e isso está associado a estereótipos de gênero e à forma como somos socializadas — recai sobre elas. E a pauta da saúde não teve centralidade no governo Bolsonaro”, diz Nara Pavão.
Gatto também destaca que a gestão do presidente na pandemia pode ter acentuado esse “gap” (distância) na preferência eleitoral de homens e mulheres.
“Dados de opinião pública coletados durante esse período da pandemia mostravam como as mulheres estavam mais preocupadas e mais dispostas a aceitar políticas públicas mais restritivas. Ou seja, as mulheres estão mais propensas a apoiar o uso de máscara, apoiar medidas de distanciamento social do que os homens e, na média, estavam mais preocupadas com a pandemia”, diz.
“Então, pode ser que um outro fator impactando a maior rejeição das mulheres a Bolsonaro e sua menor propensão a apoiar Bolsonaro nesse cenário de 2022 seja justamente a maneira como ele atuou durante a pandemia.”
O terceiro fator citado como capaz de influenciar a preferência eleitoral das mulheres é a forma como o tema da economia é abordado pelos candidatos a presidente.
Nara Pavão argumenta que, para parcela importante das mulheres, não agrada a defesa de pouca interferência do Estado na economia, corte de gastos públicos, e promessas sobre privatização — discursos muito utilizados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e Bolsonaro em si.
Pavão destaca que as mulheres são, em muitos casos, as provedoras de suas famílias e principal referência de cuidado para filhos e outros parentes. Portanto, adotam uma postura pragmática em relação a propostas sobre economia e se engajam com políticas que representem mudanças diretas no seu dia-a-dia.
“Não é que as mulheres não se preocupem com a economia. Elas se preocupam. Mas elas pensam a economia não em termos de desenvolvimento econômico. Elas pensam em termos de políticas sociais”, diz a professora da Universidade Federal de Pernambuco.
“O tema da economia não foi debatido pelo governo Bolsonaro em termos que se conectam com as mulheres. Grande parte delas gosta de gasto social. Ela quer educação, quer saúde, porque precisa desse amparo para dar conta de todo o cuidado que recai sobre si.”
Mulheres são mais adeptas à democracia
Nara Pavão, professora da Universidade Federal de Pernambuco, também destaca que algumas posições do governo Bolsonaro que geram identificação entre homens, como a política armamentista, incomodam parcela importante das mulheres.”As mulheres se preocupam muito com o combate à criminalidade, mas não a qualquer custo. Muitas são mães solo e têm filhos que estão na criminalidade ou filhos que podem ser alvo da violência policial nas favelas.”
Preocupação com a saúde
Outro tema central para as eleitoras é a saúde e esse pode ser, segundo as especialistas, um dos fatores que acentuam a diferença de gênero na preferência eleitoral.”Saúde é um tema caro às mulheres, porque boa parte das tarefas de cuidado — e isso está associado a estereótipos de gênero e à forma como somos socializadas — recai sobre elas. E a pauta da saúde não teve centralidade no governo Bolsonaro”, diz Nara Pavão.Gatto também destaca que a gestão do presidente na pandemia pode ter acentuado esse “gap” (distância) na preferência eleitoral de homens e mulheres.”Dados de opinião pública coletados durante esse período da pandemia mostravam como as mulheres estavam mais preocupadas e mais dispostas a aceitar políticas públicas mais restritivas. Ou seja, as mulheres estão mais propensas a apoiar o uso de máscara, apoiar medidas de distanciamento social do que os homens e, na média, estavam mais preocupadas com a pandemia”, diz.”Então, pode ser que um outro fator impactando a maior rejeição das mulheres a Bolsonaro e sua menor propensão a apoiar Bolsonaro nesse cenário de 2022 seja justamente a maneira como ele atuou durante a pandemia.”O terceiro fator citado como capaz de influenciar a preferência eleitoral das mulheres é a forma como o tema da economia é abordado pelos candidatos a presidente.Nara Pavão argumenta que, para parcela importante das mulheres, não agrada a defesa de pouca interferência do Estado na economia, corte de gastos públicos, e promessas sobre privatização — discursos muito utilizados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e Bolsonaro em si.Pavão destaca que as mulheres são, em muitos casos, as provedoras de suas famílias e principal referência de cuidado para filhos e outros parentes. Portanto, adotam uma postura pragmática em relação a propostas sobre economia e se engajam com políticas que representem mudanças diretas no seu dia-a-dia.”Não é que as mulheres não se preocupem com a economia. Elas se preocupam. Mas elas pensam a economia não em termos de desenvolvimento econômico. Elas pensam em termos de políticas sociais”, diz a professora da Universidade Federal de Pernambuco.”O tema da economia não foi debatido pelo governo Bolsonaro em termos que se conectam com as mulheres. Grande parte delas gosta de gasto social. Ela quer educação, quer saúde, porque precisa desse amparo para dar conta de todo o cuidado que recai sobre si.”
Mulheres são mais adeptas à democraci
Mulheres tendem a cumprir mais as regras e normas, e têm maior apreço pela democracia, diz professora da Universidade Federal de Pernambuco
Foto: Tomaz Silva/Ag
Nara Pavão acrescenta um quarto elemento possível para a diferença acentuada na opinião de homens e mulheres sobre a eleição presidencial: o fato de as mulheres terem mais apreço pela democracia, segundo pesquisas de opinião.
“As mulheres são muito mais democráticas do que os homens e estão menos dispostas a abrir mão da democracia. Isso se dá porque mulheres, em geral, respeitam mais regras e normas, até porque elas são punidas socialmente num grau muito maior que os homens se desviam das regras”, diz a professora.
Para Pavão, o comportamento de Bolsonaro de criticar instituições, questionar o sistema eleitoral e comprar briga com Judiciário e Legislativo é mais mal visto por mulheres que por homens.
“Pensando que o governo Bolsonaro tem flertado com atitudes antidemocráticas, isso pode, sim, ser um ponto de alienação das mulheres”, diz.
Mas Malu Gatto destaca que o presidente tem tempo para tentar reverter a rejeição entre mulheres e lembra que a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, já está participando de eventos com eleitoras para tentar conquistar esse público.
“Em 2018, essa diferença por gênero era uma novidade. Agora, Bolsonaro e a campanha dele já têm essa informação e podem trabalhar para minimizar esse impacto até a eleição de outubro”, diz.
As mulheres indecisas poderão definir resultado
Por enquanto, pesquisas eleitorais mostram Lula com 44% a 46% das intenções de voto no primeiro turno, e Bolsonaro, com 29% a 32%. Por enquanto, grande parte da movimentação nas pesquisas tem vindo da transferência de votos de candidatos da chamada terceira via que desistiram de disputar, como o ex-juiz Sérgio Moro.
Nesta segunda (23), foi a vez de o ex-governador de São Paulo, João Doria, anunciar que não vai concorrer. Mas, conforme a campanha avança e as candidaturas se consolidam ou deixam de existir, a principal disputa por votos vai se dar no âmbito dos indecisos.
E aí, novamente as mulheres têm papel fundamental. Segundo pesquisa Genial/Quaest de maio, 12% das mulheres ainda não escolheram um candidato. Entre os homens, esse percentual é de 7%.
“A psicologia comportamental fala sobre como mulheres tendem a ser mais avessas a risco do que homens. E isso tem a ver com informação. A gente ainda está em maio e as eleições são em outubro. Então, eu acho que as mulheres estão tentando entender um pouco mais o cenário político e acumular informações para não tomar uma decisão precipitada”, avalia Gatto.
“Essa diferença em pontos percentuais entre os indecisos homens e mulheres é importante. Uma das coisas que vários analistas políticos estão falando é que essa eleição vai ser decidida pelas pessoas que ainda não declararam voto e que ainda não têm certeza sobre os seus votos. E, no caso da eleição para presidente, esse público é composto majoritariamente por mulheres.”