Polícia chegou a pedir prisão do dono de escola condenado por estupro

Segundo juiz, não havia motivos que justificassem privação da liberdade do acusado, ‘como resguardar ordem pública’. Empresário foi condenado a 23 anos por abusos contra criança de 5 anos; defesa do réu não quis se manifestar.

Em junho deste ano, a Justiça do Distrito Federal negou um pedido de prisão preventiva feito pela Polícia Civil contra o empresário Paulo Magalhães de Araújo, de 58 anos. Nesta quarta-feira (19), ele foi condenado pelo crime de estupro contra uma criança de de 5 anos, praticado entre 2010 e 2014 dentro da escola infantil da qual era dono, no Gama. A defesa do réu não quis se manifestar.

Segundo o processo, que corre em segredo de Justiça, a maioria dos abusos acontecia “na salinha de ferramentas”, na “brinquedoteca” e “no banheiro feminino”. Segundo a vítima, que atualmente tem 16 anos, o dono da escola pedia a ela que sentasse em um banquinho, “na sala de ferramentas”, para praticar sexo oral (leia mais abaixo).

Ao receber o pedido de prisão preventiva, em maio deste ano, o juiz Felipe de Oliveira Kersten, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Gama analisou que a prisão não seria possível, “uma vez que os fatos não eram recentes e não havia motivos que justificassem a privação da liberdade do acusado, como para resguardar a ordem pública”.

O magistrado, porém, autorizou o recolhimento do passaporte do empresário e determinou que ele mantenha distância de, pelo menos, 300 metros da vítima e da escola. Além disso, o homem deveria usar tornozeleira eletrônica por três meses, que poderiam ser prorrogados por mais três meses.

Para fundamentar a decisão contra o pedido de prisão, o juiz apontou que o último contato entre a vítima e o acusado ocorreu em 2019, ou seja, “não vislumbrou qualquer traço de contemporaneidade neste caso, a demandar imediata decretação da prisão cautelar como única medida preventiva à prática de novos fatos contra essa vítima”.

Segundo Kersten, a decretação da prisão preventiva representaria “verdadeira antecipação da pena”.

“Ademais, as medidas cautelares diversas da prisão, inclusive do monitoramento eletrônico, constituem meios suficientes e eficazes para salvaguardar a integridade da ofendida e o andamento das investigações”, disse o juiz à época.

Por outro lado, Felipe de Oliveira Kersten autorizou o cumprimento de mandado de busca e apreensão na casa de Paulo Magalhães de Araújo, e também na escola, localizada no Setor Oeste, no Gama.

O caso

Fachada da 20ª Delegacia de Polícia (Gama) do Distrito Federal, — Foto: TV Globo/Reprodução
Fachada da 20ª Delegacia de Polícia (Gama) do Distrito Federal, — Foto: TV Globo/Reprodução

Paulo Magalhães de Araújo foi condenado na última quarta-feira (19) a 23 anos de prisão pelo estupro de uma criança de 5 anos. Segundo o processo, o crime foi praticado “diversas vezes” entre 2010 e 2014, dentro da instituição da escola que pertencia ao empresário.

À Justiça, o réu negou as acusações e disse que a escola é “toda monitorada”. Segundo ele, o “quartinho das ferramentas” – onde a vítima disse que ocorriam os abusos – fica embaixo de uma escada, em frente à brinquedoteca, e no lugar “não tem espaço para colocar cadeira”.

O empresário também afirmou “que acredita que a vítima tenha inventado os fatos para não apanhar da mãe” e que ele “pouco frequentava a escola e, praticamente, só abria a escola e ia embora”.

Depoimento da vítima

Imagem ilustrativa - arquivo — Foto: Getty Images
Imagem ilustrativa – arquivo — Foto: Getty Images

A vítima, que atualmente tem 16 anos, somente contou sobre os abusos para a mãe recentemente, porque não estava conseguindo se relacionar. A mãe buscou ajuda com um psicólogo, registrou o caso no Conselho Tutelar do Gama e na 20º Delegacia de Polícia do Distrito Federal.

Conforme o processo, após o atendimento com o psicólogo, não restaram dúvidas sobre o crime.

“Os fatos relatados pela menina aconteceram, pois ela contava com riqueza de detalhes e de forma que não parecia que era invenção”, diz o relatório do psicólogo.

De acordo com investigação policial e do Ministério Público, os abusos ocorriam sempre da mesma forma: “[o dono da escola] abria o zíper da calça dele, sem retirá-la, colocava o pênis para fora e pedia para a vítima chupar. Depois disso, abaixava a saia do uniforme da criança, pedia para ela sentar em um banquinho e praticava sexo oral nela. Por fim, beijava a boca da vítima, vestia a roupa dela e pedia para que ela voltasse para a brinquedoteca, que ele ficaria lá arrumando umas coisas”.

O relatório psicológico aponta que a vítima tem “sequelas psicológicas”, e que não consegue se envolver com ninguém, além de sofrer de ansiedade e estar “mais retraída”.

Na condenação em primeira instância, o juiz levou em consideração a “análise e a valoração de todos os documentos juntados aos autos, dos depoimentos colhidos na fase policial, confrontados com a prova oral coletada em juízo sobretudo pelas declarações consistentes e seguras prestadas pela vítima”. E destacou:

“Resta evidente um conjunto probatório coerente e harmônico entre si, conjunto probatório esse suficiente para apontar o ora acusado como autor dos fatos ocorridos neste período” […] delitos contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes normalmente são praticados na clandestinidade, por razões óbvias”, diz a sentença.

Uma prima da vítima, atualmente com 27 anos, também contou ter sofrido abuso, na mesma escola, quando tinha entre 10 e 11 anos. O abusador, segundo ela, era o empresário Paulo Magalhães de Araújo.

A mãe da menina contou à polícia que “na época, ficou chateada, deixou de trabalhar na escola e retirou a filha da escola”. A mulher disse ainda que “as pessoas falavam que era coisa de criança e acabaram abafando o caso”.