Loja maçônica P2, lembrada no funeral do papa, tinha ligação com a Varig

Rede clandestina de poder liderada por Licio Gelli se conectava a governos, serviços secretos e até à extinta companhia aérea brasileira

Durante o funeral do papa Francisco, no Vaticano, uma presença discreta chamou a atenção: Maurizio Gelli, embaixador da Nicarágua na Espanha. Filho de Licio Gelli, o “venerável mestre” da loja maçônica secreta Propaganda Due (P2), seu nome reacendeu memórias de um dos maiores escândalos políticos da história italiana — com ramificações que chegaram ao Brasil, envolvendo a extinta Varig.

O que foi a Propaganda Due (P2)

P2 funcionava como uma rede paralela de poder, atuando secretamente em governos, militares, mídia e serviços de inteligência. Sob a liderança de Licio Gelli, documentos revelados nos anos 1980 expuseram conexões da loja com regimes repressivos e terrorismo de extrema direita.

Em 1981, a polícia italiana encontrou uma lista com quase mil membros da P2, incluindo empresários, juízes, jornalistas e militares de países como Argentina, Uruguai e Brasil. O escândalo abalou a política italiana e revelou a dimensão subterrânea da organização.

Mesmo após a morte de Gelli, seu nome seguiu associado a crimes históricos. Ele foi apontado como um dos financiadores do atentado à estação de Bolonha (1980), que matou 85 pessoas e deixou mais de 200 feridos.

As conexões com a Varig

As investigações também revelaram vínculos da P2 com a Varig, então maior companhia aérea brasileira. Segundo o Opera Mundi, a empresa foi usada como rota de fuga para integrantes da rede.

  • Em 29 de julho de 1982Umberto Ortolani, braço direito de Gelli, fugiu da Itália para o Brasil em um avião fretado pela Varig suíça, usando passaporte falso. Ele escapava de acusações de envolvimento na falência do Banco Ambrosiano, cujo presidente havia sido encontrado morto semanas antes.
  • Outros três nomes ligados à Varig — Bruno Ottorino, Paolo Lavagetto e Bernardino Cifani — constavam na lista da P2.
  • base da Varig em Roma teria servido de apoio para membros dos grupos fascistas Ordine Nuovo e Avanguardia Nazionale escaparem da repressão na Itália, migrando para a América do Sul.

Além disso, documentos indicam que Licio Gelli foi convidado pessoalmente para o VClub da Varig, clube vip da companhia, em pleno regime militar brasileiro. O convite teria sido assinado pelo então presidente da empresa, Hélio Smith.

O contexto atual

A lembrança da P2 durante o funeral também ganha peso político pelo atual cargo de Maurizio Gelli. A Nicarágua, onde atua como diplomata, vive desde 2018 um cenário de repressão sob o regime de Daniel Ortega, que intensificou o confronto com a Igreja Católica. Em 2023, o país chegou a expulsar o núncio apostólico e suspender relações diplomáticas com o Vaticano.