Dados do IBGE mostram avanço dos domicílios unipessoais e mudança na forma de viver em família; para muitos, ficar solteiro virou decisão consciente diante de rotinas longas, custos altos e desgaste emocional
Se o Brasil tivesse uma fotografia afetiva em 2025, ela teria menos alianças e mais chaves de apartamento. O país atravessa um ciclo de transformação silenciosa — mas mensurável — em que a vida solo deixa de ser exceção e passa a compor o cotidiano de milhões de pessoas. Não se trata apenas de “falta de alguém”; trata-se de escolha, de critério e, em muitos casos, de um novo entendimento sobre paz, tempo e saúde mental.
Os indicadores ajudam a explicar por que isso vai além de uma “tendência”. Em 2024, 18,6% dos domicílios brasileiros eram unipessoais (com apenas um morador) — cerca de 14,4 milhões de lares, alta expressiva em relação a 2012 (12,2%).
E há sinais de mudança também na vida a dois: no Censo 2022, o IBGE apontou que 51,3% da população de 10 anos ou mais vivia em união conjugal — ou seja, a outra metade já estava fora desse arranjo.
Solteiro não é “incompleto”: é um novo filtro emocional
Levantamentos recentes de plataformas digitais (que têm monitorado comportamento e vínculos ao longo de mais de um ano) apontam um ponto central: a geração atual não está “fugindo do amor”, mas do desgaste. Em um cenário de jornadas de trabalho extensas, conexões rápidas e uma sensação constante de exaustão, a autonomia vira um tipo de luxo emocional — e a solitude passa a ser tratada como preservação, não como derrota.
Essa mudança aparece com força no discurso de mulheres acima dos 30 anos, especialmente as que relatam a escolha por maternidade solo e descrevem dificuldade em encontrar parceiros dispostos a vínculos duradouros, enquanto cresce o apetite por relações mais rápidas e menos comprometidas.
Brasília é um retrato nítido desse movimento
No Distrito Federal, o desenho é ainda mais evidente. Um informe do IPEDF (com base no Censo 2022) aponta que 19,6% dos domicílios do DF são unipessoais, acima da média nacional daquele ano (18,9%).
Na prática, é um dado que conversa com a cidade: mobilidade, carreira, custo de vida e a lógica de “rotina cronometrada” reforçam escolhas por morar só — seja por liberdade, seja por pragmatismo.
Nem tudo é romantizável: quando morar só é consequência
Há, contudo, uma camada que pede cautela. O crescimento dos lares com uma pessoa também pode refletir pressões econômicas, relações mais superficiais, experiências traumáticas e o cansaço de repetir padrões. Em outras palavras: a solidão contemporânea pode ser voluntária para muitos, mas, para outros, é o resultado de um mundo mais caro, mais acelerado e emocionalmente mais exigente.
A era da soma, não da ocupação
O que muda, no fundo, é o critério. A pergunta não é mais “com quem vou estar?”, e sim “isso soma ou drena?”. A nova geração parece buscar qualidade de vínculo, não apenas presença. E, quando a régua sobe, sobra menos espaço para relações por conveniência, pressão familiar ou medo do vazio.
No Brasil do fim do primeiro quarto do século 21, estar solteiro deixou de ser pausa. Em muitos lares — inclusive em Brasília — já é projeto.