Ações por propaganda eleitoral antecipada mais que dobram

O aumento da judicialização da chamada pré-campanha eleitoral é sinal claro de um ambiente político polarizado

O número de representações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por propaganda eleitoral antecipada mais que dobrou nos primeiros cinco meses deste ano, em comparação com o mesmo período na última disputa presidencial. Em maio de 2018, a Corte contabilizava 12 representações deste tipo, ante 30 em 2022.

Os tribunais regionais eleitorais também apontam para um avanço dos questionamentos. TREs de 16 Estados receberam, até agora, 203 ações na forma de representações, denúncias, petições cível ou criminal e consultas sobre a pré-campanha. Para especialistas consultados pelo Estadão, o aumento da judicialização da chamada pré-campanha eleitoral é sinal claro de um ambiente político polarizado, e revela a necessidade de se avançar na legislação eleitoral.

A maioria dos processos diz respeito a supostos pedidos de voto, proibidos por lei neste período, que teriam ocorrido em carreatas, shows, outdoors, redes sociais ou em eventos com o uso de bandeiras, toalhas e cartazes. Entram também na lista as impugnações de registro de pesquisa eleitoral. A jurisprudência dá conta de decidir sobre alguns pontos, mas, ainda assim, há uma chuva de casos a serem julgados. No Rio de Janeiro, por exemplo, são 81 denúncias recebidas por meio do sistema E-Denúncia ou por manifestação do Ministério Público. Dessas, 16 foram arquivadas.

Em nível nacional, os partidos dos dois líderes das pesquisas de intenção de voto já travam batalhas judiciais. O PT, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acionou o presidente Jair Bolsonaro (PL) pelas motociatas promovidas por ele, e contra a fala da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, em pronunciamento nacional do Dia das Mães. Já o PL acionou a Justiça Eleitoral por causa do festival de música Lollapalooza após artistas, como Pabllo Vittar, criticarem o chefe do Executivo e exaltarem Lula com o uso de bandeiras com seu rosto – mas a própria legenda voltou atrás e retirou a ação.

Nas últimas semanas, os petistas foram alvo de mais duas representações no TSE. Em uma delas, o PL acusa a campanha de Lula de promover um showmício no dia 1º de Maio, em São Paulo, no qual a cantora Daniela Mercury teria pedido votos para o petista. O PT alegou que não discute estratégias jurídicas de campanha. A assessoria do PL não respondeu até a conclusão desta edição. O TSE afirmou que não discute casos específicos.

Batalhas judiciais

No Piauí, a venda de toalhas de Lula e de Bolsonaro virou ação no TRE, que chegou a proibir a comercialização dos produtos. A Lei Eleitoral, porém, permite exibição da imagem de pré-candidatos, desde que não exista pedido de voto.

Marco

Foto: Reprodução/Agência Brasil

De acordo com o calendário eleitoral do TSE, a campanha começa efetivamente em 16 de agosto – um dia depois do prazo final de registro de candidaturas. É a data a partir da qual pode haver o pedido de voto. Especialistas dizem que a legislação está mais taxativa do que no passado, mas ainda precisa colocar no papel temas que já avançaram nas interpretações dos tribunais.

Até 2009, a regra era mais subjetiva e havia a possibilidade de um postulante ser condenado apenas por aparecer em eventos antes do período de campanha. Com a redução do prazo oficial permitido para se pedir votos – de 90 a 45 dias, em 2015 -, há mais espaço para os pré-candidatos aproveitarem a linha tênue do que, em tese, está permitido, dizem especialistas. E o uso das redes sociais ainda abre o flanco de uma possível “terra sem lei” da propaganda antecipada.

Até agosto, não há problema do pré-candidato mencionar o desejo de concorrer nas eleições, participar de entrevistas, divulgar posicionamento sobre questões políticas ou impulsionar conteúdos nas redes sociais. Isso porque tudo o que não estiver dentro do pedido “explícito” de voto ou de voto negativo, vale na pré-campanha. É justamente o significado da palavra “explícito”, contudo, que tem sido discutido na Justiça Eleitoral.

É vedado mostrar o número de urna em uma propaganda, bem como pedidos de “vote”, “eleja” “apoie”, “marque sua cédula”, “fulano para o Congresso”, “vote contra”, “derrote” e “rejeite”. Conhecidas como “palavras mágicas” caracterizadoras da propaganda eleitoral, elas apareceram em uma decisão de 2018, do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux. A interpretação, entretanto, não está pacificada nos Estados.

Decisão de 2018 do ministro do STF Luiz Fux determinaram pedidos como ‘vote’, ‘eleja’, ‘marque sua cédula’, entre outros, como caracterizadores de propaganda eleitoral. Foto: Fabio Motta/Estadão
“Apesar de a própria lei dizer que o pedido de apoio político é permitido, quando você vai para os precedentes da Justiça Eleitoral, a construção não é bem assim. Não necessariamente a pessoa tem que falar a palavra voto”, observou Gabriela Rollemberg, integrante da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político. O contexto, disse, é decisivo.

Para o advogado André Calegari, que chegou a ser cotado para assumir vaga de ministro substituto no TSE, o que está em jogo é a diferenciação do que é liberdade de expressão e propaganda política. “O tribunal tem feito essa ponderação corretamente de que não se pode proibir as manifestações que são públicas de liberdade de expressão, quando não tivermos o número do candidato ou propaganda ostensiva.” Ele aponta que o cenário polarizado desta eleição leva a uma estratégica jurídica em que um lado tenta atacar o outro com ações judiciais, o que pode sobrecarregar os tribunais. A avaliação de analistas é de que os partidos por vezes preferem arriscar a condenação porque o ganho político é maior que o valor da multa.

Recursos

Entre os questionamentos na Justiça, há também aqueles em que adversários apontam uso indevido de recursos públicos. Nesse cenário, há dois universos: os mandatários que concorrem à reeleição – com, portanto, a máquina pública em mãos – e os que estão tentando fazer coligações e precisam do fundo eleitoral.

O chamado abuso do poder econômico durante a pré-campanha já resultou, por exemplo, na cassação da então senadora Selma Arruda (Podemos-MT), no final de 2019. O TSE entendeu que Selma tinha feito caixa 2 no período. Ela admitiu que errou ao não ter declarado gastos, mas negou que prática seria ilegal.

A coordenadora-geral da Transparência Eleitoral Brasil, Ana Claudia Santano, sustenta que as regras da pré-campanha devem ser as mesmas da campanha para sair do “terreno arenoso” da legislação. “Tudo vai parar no Poder Judiciário pela incapacidade política de se decidir. É um contrassenso”, afirmou.

O procurador regional eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos Gonçalves, concorda que a discussão principal da pré-campanha está no uso dos recursos. “A gente fala muito em propaganda, mas o uso da máquina pública sempre é uma preocupação”, disse.

Motociatas

O caso mais recente questionado como suposto abuso de poder político, quando um mandatário usa recursos públicos com objetivos eleitorais, envolve as motociatas promovidas pelo presidente Jair Bolsonaro. Algumas chegaram a custar R$ 1,2 milhão.

No começo do ano, o Planalto chegou a fazer uma cartilha com orientações a ministros para evitar problemas com a Justiça Eleitoral. Como mostrou o Estadão, a então chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL), que deve tentar uma vaga no Senado, espalhou outdoors no entorno de Brasília com votos de “feliz 2022? – o que foi interpretado como mensagem subliminar ao número de seu partido nas urnas, o 22.

Do lado petista, a deputada federal Érika Kokay (DF) já destacou no Facebook o número de Lula ao reproduzir um conteúdo do partido. “Já tem gente treinando para votar 13 em 2022?, escreveu.

Na última semana, o pré-candidato ao governo de São Paulo Tarcísio de Freitas também foi alvo de questionamentos por aparecer ao lado do vereador de Osasco Ralfi Silva – ambos são do Republicanos. A propaganda dizia “Bem-vindo, Novo Cidadão Osasquense”. A assessoria do ex-ministro afirmou que a publicidade não foi produzida por sua pré-campanha.

Para o advogado eleitoral Alberto Rollo, todas as representações que já existem com alegações de propaganda eleitoral vão precisar passar pela interpretação sobre o pedido de voto ser explícito ou não. “É isso que a Justiça vai ter que julgar. Se tiver, é propaganda ilegal.”

Para entender: a legislação e a quem cabe analisar ações

O QUE É PERMITIDO

  • Mencionar o desejo de se candidatar
  • Exaltar as próprias qualidades enquanto pré-candidato
  • Participar de entrevistas
  • Divulgar posicionamento sobre questões políticas, inclusive por meio de impulsionamento nas redes sociais
  • Realizar reuniões com membros da sociedade civil para apresentar propostas, desde que custeadas pelo partido
  • Pedir apoio político e divulgar a pré-candidatura
  • Divulgar ações realizadas e que pretende realizar

O QUE É PROIBIDO

  • Pedir voto de forma explícita, com número de urna, por exemplo
  • Extrapolar gastos com a pré-campanha, configurando abuso de poder econômico
  • Difamar ou divulgar notícias falsas, o que é proibido também durante a campanha

ATRIBUIÇÕES

  • Tribunais Regionais Eleitorais

Julgam representações relacionadas aos diretórios regionais dos partidos, pré-campanhas para governador, vice-governador e cargos legislativos no Congresso ou Assembleias.

  • Tribunal Superior Eleitoral

Processa e julga representações contra diretórios nacionais e pré-candidatos à Presidência e Vice-Presidência da República. Também julga recursos contra decisões dos tribunais regionais.

  • Ministério Público Eleitoral

Tem legitimidade para entrar com representações na Justiça Eleitoral no combate ao abuso de poder político e econômico ou propaganda eleitoral antecipada. Denúncias de cidadãos comuns precisam ser ajuizadas via MP.

Estadão Conteúdo